24.7.06

Creolo em 1881

No século XIX já creolo despertava interesse. A imagem ao lado é a capa de um livro publicado em 1881. É interessante descobrir que na altura se sabia da existência das diversas variantes espalhadas pela “Africa, Ásia e América”. Fica um pequeno excerto, muito actual, em termos de sotaque e malcriadeza. “ (...) Duco era un préso que staba na calabôs; ê entendê mê câ stába là sábe, ê fugi êle cû dôs companheros; ô stâ riba cháda; tâ mátâ cábra, tâ forçâ mujéres, tâ fazê tudo casta di poaca borgonha. (...)".

23.7.06

Daddy Grace - Fim


Já tinha ouvido falar de Daddy Grace, mas o que me surpreendeu quando fiz a pesquisa na internet, foi o facto de ele ter ido para os Estados Unidos já homem feito. Apesar das datas não serem certas, teria no mínimo 18 e no máximo uns 22 anos. Cresceu na Brava! Deve ter feito pelo menos a 4ª Classe, falava português, crioulo e acredito que devia saber uma palavra ou outra de Francês. Chega a New Bedford e absorve uma cultura totalmente diferente, separa-se da comunidade caboverdena, sobrevive e constrói o sonho americano baseado na palavra e na fé que proclama. Independentemente de ter utilizado caminhos bastante questionáveis, achei um percurso de vida muito interessante. Mas… ainda hoje, se se perguntar aos mais velhos da sua ilha natal quem foi ele é se capaz de ouvir algo semelhante a “... um aldrabãozinho qui inganá um data di preto lá na Merca”. Eu ouvi.
Sweet Daddy Grace, que declarou que Deus tinha ido para a América no corpo dele e que se Moisés viesse á terra novamente teria seguir a ele, foi audacioso em muitos aspectos. Foi o primeiro a introduzir uma orquestra de sopro nos cultos, orquestra essa que existe até hoje – Sweet Heaven Kings – e numa época em que o máximo que os Yankees poderiam conhecer sobre os caboverdianos era o de serem bons serviçais, comprou, em plena zona aristocrática de New Bedford, uma velha mansão de um magnata da pesca da baleia e mandou pinta-la de Vermelho, Branco e Azul, como as unhas.

Por tudo isso e pelo muito, mas muito mesmo, que ficou por dizer sobre os rituais da igreja que fundou, as implicações sociais, a fortuna (e as dividas) que deixou e o lugar que ocupa na historia recente da América, junto a outros grandes lideres espirituais afro-americanos... por tudo isso, é uma figura que merece ser conhecida. Tanto mais que, da primeira parte do percurso dele, a vida em Cabo Verde, pouco ou nada se sabe (nos documentos on line).

Para quem quiser consultar a bibliografia e outros documentos com informações sobre os rituais, influências e estrutura da United House of Prayer for All People é só clicar em comentários, estão lá todos os links.

17.7.06

Abóboras quentes e Doce d’Jam

Ainda estou a dever o "fim de Daddy Grace” mas... enquanto isso cá vão duas estorias pequeninas de São Cente.

Conheci a Nha T. ainda na Praia, mas foi em São Vicente que com ela privei e aprendi muito sobre o Mindelo de antigamente, especialmente a vida das pessoas mais humildes. Numa dessas conversas de fim de domingo ela contou-me como é que matavam os tubarões que, de vez em quando, resolviam dar o ar de sua graça na Baia… Quando assim acontecia, era dado o alarme e logo um barco partia para o largo, levando a bordo um bidão de água a ferver com umas tantas abóboras lá dentro. Primeiro atraíam os bichos com uma isca ensanguentada e depois deitavam ao mar as abóboras que quando engolidas pelos tubarões os punham a zunir dali para fora com as tripas semi cozinhadas...UI!
Um dia ela falou-me dos produtos ingleses que existiam… talcos, colónias, as pastilhas digestivas, o chocolate Cadbury, o doce d’jam...

- Doce de Jam?- perguntei logo
-Sim! Doce d’jam. Era um doce mut sáb…
- Não Nhá T.… era geleia! Jam na inglês ê géleia, bocê crê dzê géleia…
- Não senhor – respondeu zangada – Doce d’jam ê doce d’jam. Mim conchê geleia mut bem e n’era geleia, era doce d’jam!
“Bem feito pelo atrevimento. Afinal quem me mandou contrariá-la?” pensei condescendente. Mas a Nha T. tinha razão… em inglês geleia diz-se “jelly”. "Jam" será equivalente ao nosso doce tradicional. Quanto muito seria doce d’doce?!? Será? Nesse caso como é que se diz compota? N´tâ lost na translation...

12.7.06

Mindelo Info

Aqui há dias um amigo meu chamou-me a atenção para o facto de, apesar de ter vivido em São Vicente tantos anos ainda não ter escrito nada sobre a ilha. A seu tempo… respondi. Hoje, no meu "esgrôvet" diário pela net, descobri um site (francês) muito interessante sobre o Mindelo. Está em http://www.mindelo.info. Vivi em São Vicente de 1996 a 2003 mas se por acaso quiser saber o que passou na ilha de lá para cá, seja em termos de agenda cultural, acontecimentos de relevo, divulgação de artistas, etc, tenho a impressão encontro tudo ali... e ainda tem um arquivo de 2000 fotos! Gostei.

8.7.06

Gentes de um lugar chamado New Bedford

Já sabem da minha paixão por fotografias antigas... enquanto pesquisava imagens de Daddy Grace encontrei estas fotos no site: http://www.s-t.com/daily/02-97/02-02-97/a11lo052.htm. Vale a pena "clicar" e ler as legendas das fotografias.

Sweet Daddy - II

Marcelino Manoel da Graça, natural da Ilha Brava, era um cabo-verdiano e como tal, descendente de africanos e europeus. Não era negro mas também não era branco. Era um “light skin” como os americanos dizem. Isso é importante de se registar se se tiver em conta que o seu aspecto era atraente aos negros americanos que tinham interiorizado o sistema de castas. Também é relevante realçar que, apesar de a grande maioria dos seus seguidores terem sido oriundos dos guetos, onde a segregação racial e a miséria imperavam, o que ele defendia não era uma filosofia africana nacionalista ou mesmo pregava qualquer tipo de doutrina baseada no orgulho de ser africano.
Daddy Grace apelou antes a uma satisfação mais imediata… o estado de euforia, algo que preencheu o vazio emocional dos seus seguidores e lhes permitiu fugir à realidade de uma vida monótona e sem esperança. Auto intitulou-se Bispo e levou os seus fiéis a acreditarem que podia curar doenças e ressuscitar pessoas. Anunciou que era a “Graça do Mundo” e que só ele tinha o poder divino de lhes lavar os pecados… É alias famosa a frase que diz “Daddy Grace has given God a vacation. If you sin against God, Grace can save you, but if you sin against Grace, God can't save you."(!!!)
Apesar de o sucesso de Sweet Daddy Grace se ter apoiado nas necessidades emocionais dos seus seguidores, na ilusão de os encher de “Graça”, a religião, para ele, era baseada na sua própria pessoa. Por isso investiu na sua própria imagem tendo mesmo cultivado um lado excêntrico. Uns dizem que usava um bigode verde, outros duvidam, mas o que é correcto é que a determinada altura usava casacos verdes e púrpura (lembrem-se do ambiente que havia inicio do filme Malcom X e não vai parecer tão estranho) e pintava as unhas (enormes) de azul, vermelho e branco, o que para os fiéis não era mais do que uma prova da sua santidade, uma vez que a bíblia fala de um profeta com cornos crescendo-lhe nas mãos.
Sweet Daddy foi mais longe… criou o sabonete “Daddy Grace” que limpava o corpo, reduzia a gordura ou curava, de acordo com a necessidade de quem usava. Lançou a “Grace Magazine” que quando colocada no peito de uma pessoa que sofria de gripe ou tuberculose, curava. Lançou outros produtos "DG" como café, chá, brilhantina, pó de arroz, biscoitos, etc. Conseguiu implementar uma venda de sucesso com produtos de fé (bandeiras, uniformes elaborados, espadas, bastões de peregrinos, emblemas).
(continua na próxima semana, em 1 ou 2 posts e no fim ponho a bibliografia)

Sweet Daddy Grace - I

Hoje (e em futuros posts) vou tentar contar a história e as muitas estórias de Marcelino Manoel da Graça. Um homem que nasceu nestas ilhas, emigrou para os Estados Unidos e aí criou o seu “American Dream”. Uma figura fantástica!
Charles Manoel Grace, mais conhecido por “Sweet Daddy Grace”, nasceu a 25 de Janeiro de 1881 [1] na ilha Brava. Em 1903 [2] mudou-se, juntamente com a família, para New Bedford, nos Estados Unidos da América, onde trabalhou como merceeiro, vendedor e cozinheiro nos caminhos-de-ferro antes de, em 1919 (mais uma vez, as datas variam), ter fundado o culto/seita chamado “United House of Prayer for All People”. Na América, pouco sabem sobre as suas origens, como muitos líderes religiosos negros da época, Daddy Grace, preferiu manter o passado em águas turvas. Certo é que em 1960, quando faleceu, era um dos negros mais ricos e poderosos da América, dono (só para dar alguns exemplos) de uma mansão de 85 quartos em Los Angeles e de uma frota de Cadillac’s; criador e detentor dos lucros de uma linha de produtos “Daddy Grace” que iam desde cafés, chás, sabonetes, cremes, etc. e líder espiritual, conselheiro e “pai” de cinco milhões e meio de fiéis (dados da própria Igreja). Apesar dos muitos críticos que diziam que ele não passava de uma fraude colossal, no período entre 1940 e 1960, Sweet Daddy foi uma figura de proa entre os negros americanos… um chefe religioso, capaz de arrastar multidões eufóricas e movimentar influencias consideráveis.
O estilo Sweet Daddy foi grandemente influenciado pelos pastores do “sul profundo” da América, que baseavam os seus cultos em ritos pentecostais (do tipo IURD). É interessante de se notar que o apelo “doce” de Daddy Grace não tocou os caboverdeanos-americanos. Com efeito, devia parecer muito estranho à comunidade das ilhas na altura, conhecida por ser tradicionalmente Católica e adversa a cultos religiosos, a maneira evangelista de pregar, baseado na experiência Afro-Americana e a aparência “flamboyante” de Daddy. Mas foi justamente esse estilo e aparência que foi apelativo aos Afro-Americanos.
(continua...)
[1] Outras datas são indicadas nos documentos on line que consultei. Normalmente abrangem os anos 1880 a 1884.
[2] Também aqui as datas variam, havendo documentos que indicam 1900 e outros que dizem início de 1900.

3.7.06

Cabo Verde 1460 - 1996

Para quem gosta de historia recomendo a leitura de "REFERÊNCIAS CRONOLÓGICAS: CABO VERDE/CABOVERDIANOS AMERICANOS". Abrange o "período" compreendido entre o ano de 1460 ao ano de 1996. Muito resumido e interessante. Vale a pena ler!

1.7.06

3 cores e uma cabrinha...


... numa casa em Santiago.