31.12.06

A valsa eterna.

Pronto!
A Terra completou mais uma volta em
redor do Sol. Rodopiou com a mesma graça
da bailarina da caixinha de música que
um dia eu não tive. Incansável e alheia para
não se atrapalhar no compasso do firmamento.
Arrastou consigo a Lua glacial. Ambas
resignadas à eterna valsa surda…
A melodia magnética
que o maestro rei emana.
...
E nós aqui à procura do sentido
das coisas, entre uma maré e outra.
...
Hoje vou também vou querer
calçar os sapatinhos vermelhos.
Dançar como a menina encantada do
conto ou a bailarina conformada da caixa.
Que se me acabe a corda.
Que tropece nos meus próprios pés.
Que importa?
...
Amanhã será 2007 da era Cristã.
Há um novo ciclo a ser inventando.
Renova-se a Esperança na Humanidade.
Fazemos de conta que podemos reiniciar
do tal zero que pensando bem... não existe.
Bailemos então. Sol? Música!

21.12.06

E agora Mãe?

O que faço com o todo o Amor que te tenho?
As 1001 conversas por acontecer
E as lágrimas que teimam em não cair?
E agora Dª Luzia?

3.12.06

Postais Antigos

Sao Vicente : Native prisoners (Native from Angola
deported in Cabo Verde islands after a rebellion).
Obs: Para ver mais clicar no título/link

1.12.06

O tempo... hoje e há cerca de 500 anos.

Ouvir alguém lamentar-se de falta de tempo é coisa cada vez mais comum na Praia. Nunca gostei muito de me queixar disso e agora apanho-me na mesma lenga lenga… tempo, tempo, falta-me tempo, não tenho tempo… onde foi o tempo?! Enfim grrrrrrr… É o desenvolvimento, consolo-me, ás vezes, pensando. Lembro-me que o Humberto uma vez disse que há pessoas que tem a incrível capacidade de parecer sempre muito atarefadas, fazendo com seja um privilégio para terceiros estar em companhia delas, por uns minutos que seja, mas… eu? A verdade é que agora ando mais ocupada e não tenho tido “tempo” para escrever e pesquisar. Durante uns “tempos” vai ser assim e não vou ter “tempo” para postar tanto quanto gostaria. E enquanto eu e o “tempo” estivermos nesse puxa puxa (eu ganho, vos garanto) deixo-vos aqui um facto engraçado e interessante que descobri. A ver se entretanto consigo gerir melhor o “tempo”!
...
Li, há alguns meses, o livro “Além do Fim do Mundo, A aterradora circunavegação de Fernão de Magalhães” de autoria de Laurence Bergreen. “O livro (…) é um relato histórico completo da viagem pioneira de circunavegação empreendida pelo navegador português Fernão de Magalhães e sua frota de cinco navios e 450 homens: a chamada Armada das Molucas. A expedição – uma das maiores e mais bem equipadas da Era dos Descobrimentos – partiu em 1519 de Sevilha, na Espanha, com o propósito de descobrir uma nova rota marítima para as ilhas das Especiarias, na Indonésia, onde existia em abundância o cravo-da-índia, a pimenta e a noz-moscada, todas de grande valor na época.” (clicar no titulo do livro/link para saber um pouco mais.)
...
Ora, como Fernão de Magalhães, viajava a serviço da coroa espanhola, a armada, na partida, não passou por Cabo Verde mas sim pelas Canárias. Mas no regresso passaram, de uma forma bastante trágico/cómica e foi, na que é hoje chamada de "Cidade Velha", que se descobriu um facto curioso, para a época, e que passo a transcrever das páginas 379/80 do livro:
...
“Na quarta-feira, 9 de Julho (de1522), alcançamos uma das ilhas de São Jacó” – Pigafetta referia-se a Santiago, a maior ilha das ilhas de Cabo Verde, próximas a costa oeste da Africa, as mesmas ilhas que haviam servido de marco para a linha de demarcação do Tratado de Tordesilhas. As ilhas permaneciam baluartes portugueses, um centro de comércio de utensílios e de homens. (…)
Assim que o Victoria fundeou no porto da Ribeira Grande, na ilha de Santiago, Elcano despachou um escaler para buscar comida para a tripulação faminta. Receando que os portugueses atacassem, os homens forjaram uma história para atrair simpatia e evitar factos desagradáveis: “Perdemos nosso mastro de proa na linha equinocial (embora os tivéssemos perdido no cabo da Boa Esperança), e quando o estávamos fixando, nosso capitão-mor tinha ido para Espanha com os outros dois navios. A historia omitia toda e qualquer menção à visita às ilhas das Especiarias, os preciosos cravos que transportavam, a morte de Magalhães, os motins, o contorno do cabo da Boa Esperança, entre outras incursões em águas portuguesas e, o mais importante de tudo, a sua quase completa circunavegação do globo terrestre. Em vez disso, passaram por um cargueiro espanhol danificado por tempestades, um caso sem importância. A artimanha pareceu dar certo, e Pigafetta exultou: “Com essa boa história e a nossa mercadoria, conseguimos uma carga completa de arroz.”Pensando melhor, Elcano disse aos seus homens que confirmassem a data com os portugueses, só para se certificar de que o diário de bordo permanecia exacto depois de quase três anos de anotações. A resposta – quinta-feira – confundiu os marinheiros. “Ficamos surpresos, pois era quarta-feira para nós e não conseguíamos entender como tínhamos cometido esse erro. Eu sempre actualizava o diário, fazendo anotações diariamente, sem interrupção”. Como teriam omitido um dia? Como ficaram sabendo depois, “não foi erro, mas como a viagem tinha sido feita continuamente para o oeste, e havíamos retornado ao mesmo lugar, assim como o sol, tínhamos ganhado 24 horas”. Mas esse erro de cálculo significava que tinham violado a sua fé ao comerem carne nas sextas-feiras, e celebrado a Páscoa em uma segunda-feira.
Não foi um erro um mero descuido na contagem: Albo, Pigafetta e o resto dos sobreviventes erraram porque a linha internacional da data ainda não existia. Nenhum cosmólogo ou astrónomo ocidental, nem mesmo Ptolomeu, tinha antecipado que seria necessário fazer uma correcção para compensar a navegação ao redor do mundo. Coube à primeira circunavegação demonstrar a necessidade de um aumento de 24 horas. Por um acordo geral, a linha internacional de data estende-se, hoje, a oeste, a partir da ilha de Guam, no oceano Pacifico.”
...
E eu que pensava que o único a "perder" um dia tinha sido o Phileas Fogg. Claro que nem vou "mentar" a outra parte... o grupo maioritário a que pertenço, sabem? Aqueles que gostariam de encontrar umas horas aqui ou ali. Grrrr!

24.11.06

Um olhar

Fogo Cape Verde
Lorentz Gullachsen - UK
Esta fotografia está no site thecolorawards.com e faz parte de um grupo que foi seleccionado para a categoria de Arquitectura. São imagens espectaculares e cheias de cor. Nada melhor para espantar um dia cinzento como o de hoje e determinadas inquietudes cheias de auto comiseração! Clicar aqui para ir directamente para a pagina dos nomeados e vencedores do concurso de 2006.

19.11.06

Pensamento

Inquietude
...
O pôr do Sol ontem foi tão triste.
Parecia que morria de mansinho.
Silencioso… Pálido no horizonte.
Foi escorregando desmaiado…
Já nem respirava. Afogou-se no
Mar com tanta delicadeza que me
Pôs inquieta. Juro… Cheguei a
Duvidar que voltasse a nascer!
...

17.11.06

Hiking em Santo Antão

Lagoa - Caibros- Boca de Ambas as Ribeiras
O que à partida parecia impossível foi realizado pelo quadriplégico Jean François, descobrir Santo Antão numa cadeira de rodas! A cadeira é construída para o efeito. Mesmo assim... é de se lhe tirar o chapéu. Para saber mais é só clicar aqui e aqui. Gostei muito do site http://www.bela-vista.net/ . Informações úteis e fotografias lindas.

14.11.06

O despertar de uma sesta, no fim do mundo dos anos 50, visto num quadro de Paulo Rego

Acordou alagada da sesta… maldita humidade. Abriu os olhos ainda tempo de ver o Irã que deslizava, entre uma trave e outra, no tecto do quarto, para desaparecer no escuro da telha enegrecida. Em que buraco se metia? Lembrou-se…
“- Matem a cobra!
- Não Senhora…
- Mata a cobra… Anselmo? Há uma cobra no tecto da casa!
- Senhora é o guardião… não.
- Guardião…?
- Sim Senhora, guarda a casa.
- Anselmo… É uma cobra branca.
- Não… É Irã Cego… é poderoso e vai protege-la a si e aos meninos.”
A humidade… nem sabia se estava acordada. Nunca a tinha visto assim… Gorda e branca. Ela… O Guardião. O Irã Cego. A cobra albina que vivia no telhado da casa. Foi regressando devagar daquela letargia do sono. Como foi que vim parar neste fim de mundo? O mato, os bichos, o raio das cobras e o bucho cheio ano sim ano… Não, nada de lástimas! Calor… parece que o diabo se entretêm a chupar ar. Ai Guine! Ai Mindelo... Irã Cego… as minhas crianças aqui em baixo deste tecto. Ninguém num raio de quilómetros e ele que se mete no mato dias a fio. Deve estar nalguma tabanka. Um banho... preciso de um banho. Mãe… e tu que nunca mais chegas. O Nhelas lá para o Sul sem conseguir fugir do contrato da roça... O Nando embarcado sabe-se lá onde. Os meus irmãos espalhados em tudo o que é fim de mundo. A onça… é preciso ver se os meninos estão cá dentro… a onça que quase leva o Canelito. Bendito cachorro... e ele ainda a gritar pelo pobre do bicho... sozinho em frente da casa. Isto é o fim do mundo. Irã… que me vale Deus aqui. Irã Cego! O guardião da casa que engole os ovos das galinhas é quem nos protege. E a minha terra lá tão longe. O vento… que falta faz o vento Mãe. Banho… aquele banho semanal que nos davas com a água que trazias de casa d’inglês. Anselmo… é preciso ir ao poço…. A onça que deve andar á caça… E ele que não chega metido nesse mato sem ninguém. Como foi… ah… Dava tudo para sentir aquele cheiro de colónia inglesa do Nana... Cheiro nauseabundo com que ele chega… Meu Nana… como fui acabar tudo com ele. Lembranças não levam a nada e o que foi foi… deve ser do calor, estás a enlouquecer Vinda. Valha-me a cobra para nos proteger e…
- Dona Vinda…? - o chamado urgente sacudiu-a
- Sim Anselmo...
- É o Irã... Irã Cego fugiu para o mato.
- …
- Senhora… não é bom.

12.11.06

Momento Selene

Li algures que um grande escritor da era vitoriana ganhava proporcionalmente ao número de palavras que escrevia e não em relação à obra no seu todo. Daí que as suas novelas fossem tão descritivas e tão cheias de… vocábulos! A bem da verdade não fui verificar e nem acredito muito mas... lembrei-me disso agora a propósito do poema “rebuscadinho” (e que me encheu as medidas) que escrevi há uns dias.

Desabafo
...
Pérola mais diáfana essa…
a que lhe ornamenta o manto
azul breu Senhora. Como é
descarada na luz que irradia.
Ensombra-lhe a beleza plácida e
deixa em desassossego os pobres
solitários que se disfarçam de poetas.
Maldita seja Senhora! Enlouquece…
a melodia vítrea que oiço reflectida nas vagas
do oceano. Canto embruxado esse… o que vem
raiado do céu Senhora. Hoje, sequer um véu translúcido
de nuvens lhe vela o semblante. Desejava somente
uma sombra para lhe atenuar o fulgor.
Resplandece tanto a descarada
que ensandece os libertinos de paixão e
desvaira os vagabundos de amor.
Zomba de mim nua na sua formosura e
persegue-me, iluminando os caminhos escusos
que queria apenas tactear. Senhora não vê como
lhe rouba o encanto? Até as estrelas cintilam acanhadas
em nada se assemelhando ao bordado de prata
de outras madrugadas. Lua insolente que está
no firmamento somente para me desafiar com a sua plenitude.
Vadia… Musa mais vagabunda e inconstante.
Abomino-a Senhora.

Obs: Não posso deixar de expressar os meus profundos agradecimentos à lua cheia maravilhosa que aconteceu na semana passada, ao programa Word, no auxílio precioso que ofereceu com os sinónimos (a descobrir!) e ao espírito de algum trovador do século XIX que entretanto já ascendeu bem alto...

2.11.06

Sob o olhar de Filippo Romano


Hotel Sôdade – Capo Verde é o nome dado um conjunto de 44 fotografias tiradas nestas ilhas entre 1999 e 2003. O autor, Filippo Romano, é dono de um portfolio inquietante. Nas fotos feitas cá encontrei pessoas reais em situações quotidianas. O dia e a noite são vistos de forma crua, sem idealismos… Muito diferente das imagens de Cabo Verde e suas gentes com que normalmente me deparo na net. Procurar em www.tangophoto.net/members/fromano.

30.10.06

Descobrir Manuel Figueira (e outras divagações).

Lembro-me que no dia em que telefonei a uma pessoa próxima a dizer que tinha um blog a primeira frase que ouvi foi “isso é uma responsabilidade!” e quando indaguei a razão respondeu “não podes fazer um blog durante uns tempos e depois abandona-lo… tens que estar sempre a pôr coisas novas!”. Para rematar, alguns dias depois, mandou-me um email, á laia de incentivo onde pude ler “… e não descambes para esses blogs auto louvor (…) povoadas de fantasmas. Se puderes acrescentar algo que dê para formar/informar aos visitantes despertarás muito interesse.” De Maio a esta parte houve dias e às vezes semanas em que não tive vontade de escrever mas, surpresa agradável, temas nunca faltaram. Tenho aprendido muito sobre Cabo Verde, as pessoas que fizeram estas ilhas, o lugar que ocupamos na história do ocidente devido à posição geo-estratégica etc. Tenho navegado por lugares que nunca imaginei… assuntos que puxam assuntos. Escrever e pôr em palavras o que desejo dizer tem sido um exercício de reflexão que me dá cada vez mais prazer. Isto...
... a propósito da fotografia do post anterior. Quando a "publiquei" não consegui escrever um comentario. Esta tarde pus-me a pensar numa frase que tinha lido num quadro de Manuel Figueira há muito tempo. O quadro esteve exposto no Café Lisboa… que dizia? Era uma interrogação meio perturbadora e em tudo semelhante à que eu lia no "olhar da menina do Maio". Daria uma boa legenda para a imagem (da qual eu perdi o link - as minhas desculpas ao fotógrafo). Já tinha até escrito algo e em em baixo a observação “inspirado na frase de um quadro de Manuel Figueira” quando resolvo procurar dados sobre o pintor para pôr como link. Encontrei um site com informações sobre o percurso de Manuel Figueira, encontrarei o tal quadro (!!) e muitos outros. Descubram vocês também... mais não teclo (mesmo porque este deve ser o texto mais doido que já postei).

27.10.06

A interrogação...

...no olhar de uma menina da Ilha do Maio.

21.10.06

Operação Felix e o Bisavô Alexandre

“Operação Félix” foi o nome dado à directiva dirigida aos oficiais de topo do Führer e na qual estavam delineadas as orientações para a invasão e conquista do Estreito de Gibraltar e, consequentemente, a tomada das ilhas Canárias e Cabo Verde. Datada de 12 de Novembro de 1940, contudo nunca foi concretizada, em parte porque Espanha se recusou a juntar ao Áxis (aliança formada pela Alemanha Nazi, Itália Fascista, Império do Japão). Na altura, a Espanha saía de uma terrível guerra civil (1936-39), estando o país devastado e muitas cidades transformadas em ruínas. Lendo a Directiva nº 18 compreendemos a importância geo-estratégica das ilhas atlânticas para os Ingleses e a Alemanha. No documento assinado pelo próprio Hitler, os seus oficiais são informados que “medidas politicas foram tomadas para persuadir a Espanha a entrar rapidamente na guerra (…) sendo o objectivo principal da intervenção da Alemanha na Península Ibérica (nome de código Félix) correr com os ingleses do Mediterrâneo Ocidental.” (tradução livre). Os planos para a invasão de Gibraltar são traçados (batalhas navais, campais e aéreas) e com o sucesso da operação, dá as seguintes indicações: “As ilhas Atlânticas (particularmente as Canárias e Cabo Verde) ganharão, com o resultado da operação Gibraltar, uma importância acrescida para a boa performance dos Ingleses no mar e também para as nossas operações navais. Os Altos Comandantes da Marinha e da “Luftwaffe” (aviação) deverão estudar, como defesa das Canárias a Espanha e como as ilhas de Cabo Verde poderão ser ocupadas. (…) Por motivos de segurança, medidas especiais devem ser tomadas para limitar o acesso do número de pessoas trabalhando nestes planos. Isso aplica-se particularmente (…) aos planos relacionados com as ilhas atlânticas.” (tradução livre). Assina Adolf Hitler.
...
Não me vou por a adivinhar o que poderia ter sido e se seríamos diferentes hoje, caso a ocupação se tivesse concretizado, nada disso… Vou somente pensar no meu Bisavô Alexandre, um descendente de indianos (segundo a família) nascido em São Nicolau e que em Maio de 1918, já na ilha do Fogo, teima em chamar o filho primogénito de Lindorff, apesar deste ter sido registado Carlos (o armistício é assinado somente a 11 de Novembro de 1918). Dois anos depois, quando é pai de uma menina, Ana, trata-a carinhosamente por Iguetth. Os “nominhas” ficaram para a vida e o meu bisavô nunca se livrou da fama de Germanófilo… Só não sei se com a II Guerra terá continuado a pensar da mesma maneira.

16.10.06

Zorro em Cabo Verde... a caminho da América!

Acabei de ler o livro Zorro, o Começo da Lenda, onde Isabel Allende, a autora, lhe “fabrica” um passado extraordinário, explicando de onde e como surge o herói. É uma obra de ficção, que tem como pano de fundo o que aconteceu no mundo (América e Europa) entre 1790 e 1815. Para os amantes da escritora, de história e fãs incondicionais de Zorro (a raposa) e suas aventuras, recomendo. Agora, que me desculpem pirataria, mas não resisti a copiar um pouco da pagina 310 do livro… é a parte que toca a Cabo Verde. Passa-se em 1815 e vamos encontrar Diego de la Vega, Zorro, a caminho da América, Baja Califórnia, depois de ter passado cinco anos em Espanha, consolidando a sua educação de futuro Don.
“(…) Impulsionado pelas correntes oceânicas e pelos ditames do vento, o Madre de Dios dirigiu-se para sul bordejando Africa, passou frente às ilhas Canárias sem parar e chegou a Cabo Verde para se abastecer de agua e alimentos frescos, antes de iniciar a travessia do Atlântico, que podia durar mais três semanas, dependendo do vento. Ali souberam que Napoleão tinha fugido do seu exílio na ilha de Elba e entrara triunfalmente em França, onde as tropas, enviadas para lhe barrar o caminho até Paris, se haviam passado para o seu lado. Recuperara o poder sem disparar um único tiro, enquanto a corte do rei Luís VXIII se refugiava em Gant, e dispunha-se a reiniciar a conquista da Europa. Em Cabo Verde os viajantes foram recebidos pelas autoridades, que ofereceram um baile em honra das filhas do comandante, como as meninas De Romeu foram apresentadas. Muitos funcionários administrativos eram casados com belas mulheres africanas, altas e orgulhosas, que se apresentaram na festa vestidas com um luxo espectacular. Em comparação, Isabel assemelhava-se a um cão lãzudo e até a própria Juliana quase parecia insignificante. Essa primeira impressão mudou por completo quando Juliana, pressionada por Diego, aceitou tocar harpa. Havia uma orquestra completa, mas, mal ela feriu as cordas, fez-se um silêncio no grande salão. Um par de baladas antigas bastou-lhe para seduzir todos os presentes. Durante o resto do serão, Diego teve de se pôr em fila com os restantes cavalheiros para dançar com ela.
Pouco depois, o Madre de Dios desfraldou as velas, deixando para trás a ilha. (…)”
...
Sem dúvida um CaboVerde alternativo e/ou de ficção… ou não? Vamos verificar?

9.10.06

Observação

Agora que voltei de ferias, estava aqui a admirar a fotografia do post anterior e a “matar” saudades! Interessante… só agora reparei que a imagem já é testemunho, um documento histórico. Com efeito, os antigos armazéns da EMPA (e posteriormente local onde funcionou o celebre Porão) já não existem. Hoje há Praça D. Luís… Contudo fiquei com a impressão que os Mindelenses ainda não abraçaram o novo espaço mesmo em frente á baía… Será pela falta de sombra e outras coisas mais? Para ver mais detalhes e só clicar na imagem.

14.9.06

Baía do Porto Grande - São Vicente

A minha próxima paragem… dentro de dias.
Volto em princípios de Outubro.

13.9.06

Port Praya, Cape Verde 1838


Acreditem ou não, só reparei que as duas imagens eram iguais depois de as colocar uma em cima da outra. Contudo, a primeira é um desenho a tinta (fabuloso tom de sépia que ganhou com os anos) e a segunda é uma gravura (detalhes mais claros) feita a partir do desenho. A autoria é atribuída a Charles Wilkes e a data é 1838.

Charles Wilkes foi o homem que comandou uma expedição de seis navios dos Estados Unidos que, em Agosto de 1838 deixaram Norfolk, na Virgínia para uma expedição no Pacifico Sul. A missão era para explorar as ilhas dessa região, investigar o potencial em termos de comércio e enfatizar o poder da América. Passaram por estas ilhas logo no início da viagem. Para descobrir mais é só clicar no título do post.

11.9.06

Prelúdio

Quando o descobridor chegou à primeira ilha
nem homens nus
nem mulheres nuas
espreitando
inocentes e medrosos
detrás da vegetação.
Nem setas venenosas vindas no ar
nem gritos de alarme e de guerra
ecoando pelos montes.

Havia somente
as aves de rapina
de garras afiadas
as aves marítimas
de voo largo
as aves canoras
assobiando inéditas melodias.

E a vegetação
cuja sementes vieram presas
nas asas dos pássaros
ao serem arrastadas para cá
pelas fúrias dos temporais.

Quando o descobridor chegou
e saltou da proa do escaler varado na praia
enterrando
o pé direito na areia molhada

e se persignou
receoso ainda e surpreso
pensando n'El-Rei
nessa hora então
nessa hora inicial
começou a cumprir-se
este destino ainda de todos nós.

Jorge Barbosa

7.9.06

Mapas Antigos de Cabo Verde


É interessante reparar como ao longo dos séculos a percepção da distribuição das ilhas foi evoluindo. Para mais detalhes sobre os mapas é só clicar em comentário.

6.9.06

Mindelo há cinco anos - II

Transcrevo outro texto de "Clara Vales" porque penso que é um tema actual. O meu único reparo vai para o tamanho da crónica. Se fosse hoje diria tudo com metade das palavras.

Nem capitães nem segurança

Há dias, dois meninos da “praia d’bote” surripiaram-me o porta moedas. Nada de mais a acrescentar, apenas mais um que foi à vida. O problema, propriamente dito, não está no roubo, o busílis da questão esta no facto de, os piratinhas terem sabido como agir. Enquanto um me distraía, esmolando para um pão, o outro subtraia-me a carteira. Pois é, temos bando, temos organização e temos esquema!
Uma senhora que, no local, presenciou a minha estupefacção, confidenciou-me que os dois fazem parte de um grupo conhecido, cerca de dez, que ciclicamente, percorrem a Rua da Praia, fazendo pequenos furtos, desaparecendo estrategicamente até ao dia seguinte. Informou-me que são conhecidos da Policia e aconselhou-me a pedir-lhes auxílio.
Esperançosa, dirigi-me ao Comando, onde fui prontamente ouvida com todo o profissionalismo. Os polícias presentes, estiveram atentos até ao momento em que perceberam que a minha “estória” era apenas mais uma a acrescentar a tantas outras, se calhar, ouvidas quotidianamente. Pacientemente, fui convidada, por um dos agentes, a ver uma série de fotografias a preto e branco, guardadas cuidadosamente, dentro de uma pequena caixa de papelão, e proceder à identificação do par.
Examinei cerca de cinquenta fotos, divididas, basicamente, em três idades. A dos adolescentes, com olhar revoltado e queixo tenso, a dos “aborrecentes”, fazendo cara de não me importa e a dos mais pequenos, em poses ingénuas e semblante malandro. Reconheci imediatamente quatro ou cinco rapazes, do bando que ronda as imediações de um supermercado que frequento e onde, na maior parte das vezes, pedem uma moeda a troco de nada. Quase todas as fotografias estavam manuscritas no verso com um ou dois nomes, apelidos de pai e mãe e os respectivos nominhas, como “Springuintin” ou “Coxim”.
No meio dessas fotos, mais parecendo pertencer a uma caixa de uma década anterior, havia uma “carinha” muito particular. A fotografia, bastante amarelada, exibia um homem que fixava a câmara passivamente e cujo penteado “black” aliado a um sulco que lhe dividia copiosamente a melena, quase me fez sorrir. No verso lia-se “Rob d’ Jula” a duas letras e tintas distintas. Alguma mão mais ciosa corrigira após a primeira identificação, o nome mal escrito, pois que um A despudorado cobria o IA feito pelo primeiro punho e dois EE tinham sido mascarados por uma borracha de tinta. Nada de enganos, Rob d’ Jula e não Robe de Júlia! O que faria essa figura “lendária” no meio das outras? Deduzi que talvez, alguém menos atento, no momento de a guardar novamente, após alguma identificação apressada, se tivesse enganado na caixa. Não acredito que tenha pensado que bandidos são bandidos, e piratinhas serão ladrões, pelo que o melhor é estarem bem acompanhados e terem no meio deles uma figura mais paterna, mesmo que, isso signifique acabar por confundi-los a todos e aos seus crimes, pois quem de pequeno, faz furto, quando crescer, cometerá roubos, arrombamentos, desvios e violações, que isto de crimes é sempre a subir.
Acabei por identificar apenas um dos rapazes, mas ainda assim com pouca certeza, afinal, não me tinha dado ao trabalho de fixar os traços do meu “pedinte”. Segui o conselho do agente, fui-me embora, ficando de regressar no fim do expediente para saber como estava o andamento do caso.
De regresso à minha rotina habitual, se sem saber como, veio-me à mente o livro “Capitães de Areia”. As hipóteses de recuperar o porta moedas eram quase nulas e deve ter sido essa a forma que o meu inconsciente encontrou para, tranquilamente, pôr uma pedra sobre o assunto, e fugir às implicações reais do acontecido.
Mas confesso… não Há Jorge Amado ou actos vistos à luz de um prisma mais poético que mascare o atordoamento que ainda sinto quando recordo o meu regresso ao Comando da POP.
Devido ao adiantado da hora, foi na rua que falei com o agente à paisana encarregue do meu caso. O policia, ao volante do carro das diligências e, ao mesmo tempo que ia fazendo mil e um malabarismos para estacionar, mesmo colado à parede lateral do comando, com o fito de barrar o acesso de uma das portas da viatura com o vidro escangalhado, informava-me que não, não havia novidades, que regressasse amanhã porque eles, quando roubavam, subiam a Ribeira Bote de onde não desciam até terem comido, bebido e fumado todo o dinheiro. Eu, sem nenhuma esperança no que toca a porta moedas mas, ainda assim, admirada com tanta perícia, perguntei o porquê de tantas manobras, se ele não era policia, se não estávamos nas imediações do Comando da ilha, ao que o agente respondeu a meio tom… “mais ou menos”.
Se a policia que é Policia, tem de defender o património com que trabalha, neste caso, um carro sovado e maltratado, como nos pode defender a nós, cidadãos que procuramos e esperamos protecção em situações idênticas?
Quem responde por esses menores que, pela lei, não podem ser responsabilizados pelos actos que cometem? Se eles têm nomes e apelidos, foram registados, têm pai e mãe. Os pais ou encarregados de educação que sejam responsabilizados. É fácil cair no erro de os transformar em Capitães da Praia de Bote, mas o que é certo é que eles vão crescer.
Quanto a mim, tenho-me esforçado, mas até agora, não me vem à memória nenhum livro de Jorge Amado ou outro autor, que me faça pôr uma pedra sobre o assunto e dormir tranquila com a visão romântica de bandos de Rob d’ Jula a pulular estas ilhas.
Clara Vales
Outubro de 2001

Pois é… eles cresceram e já não há poesia ou desprendimento que aguente tanta afronta!

4.9.06

Pedra di Lume - Sal

Fotografia de Aguinaldo Vera-Cruz.
Djô Martins comentou:
"Toca-me sobretudo por reproduzir a quietude do local (...)."
Um grande fotógrafo. Descobrir aqui.

1.9.06

Salah Matteos

Não há dia em que eu não faça uma pesquisa na net que não descortine coisas interessantes. Sobre o mundo, sobre Cabo Verde e, principalmente, sobre a visão que as pessoas têm sobre determinados assuntos. Nem sempre concordo, mas é absolutamente fascinante descobrir essas opiniões. Hoje encontrei este site: http://www.multiculturas.com/vb-salah.htm e deparei-me com Mr. Salah Matteos. Um americano descendente de caboverdeanos com um percurso de vida extraordinário. A ler e a reflectir, concordando-se ou não. Deixo aqui um pequeno trecho, a título de curiosidade e também, para lançar uma acha à fogueira.

“I would like to bring something else to your attention; one of the ancient names of the archipelago called Cabo Verde was called by many of the elders AZIJAH that is in part African Arab tongue. AZIJAH means the mighty Power of God. The prefix Aziz means Power or the Precious of God. The Djah or Jah or Dia means God or Allah or Deus all are the same. Jah is the suffix. The two words together form AZIJAH, which again is to say The Mighty Power Of God or the PRECIOUS of God. The Creole (pidgin) is Guinea Arab Africa, Portuguese and other variables in terms of other languages. For example the late Dr. Amílcar Lopes Cabral (aka) was ABEL-Djassi or Djhassi, which meant the servant or God, Abel meaning servant and Jah in its variables meaning God or Deus or Allah as you wish.”

29.8.06

Mindelo há cinco anos

O ano de 2001 era para ser o ano em que eu me tornaria empresária! Bom… dona de butik para ser mais exacta. Deu tudo errado! Claro que, para quem me conhece bem, isso não foi novidade nenhuma. Na altura, apesar dos avisos resolvi embarcar na aventura. Para cúmulo dos cúmulos, abri o Balão Mágico, loja de roupas infantis, quando o boom das lojas chinesas estava a rebentar em São Vicente. Resumindo… pouca venda e falência em 11 meses! No fim restou-me a consolação de saber que não nasci para ser dona de butik. Na mesma altura, e sob o nome de Clara Vales, assinei, durante uns poucos meses, uma coluna no Jornal Terra Nova. É uma dessas pequenas crónicas que vou aqui transcrever. Penso que, apesar de se terem passado cinco anos, o tema é actual e, ao mesmo tempo, fala dessa cidade onde eu vivi muitos anos, o Mindelo. A crónica chamava-se…

Desenrascado ou Desonesto?
Sol a pique. O homem está atrasado. Dou-lhe desconto, é hora da ponta. No alcatrão da Baltazar Lopes da Silva, carros cruzam-se em situação de semi tráfego. Condutores e acompanhantes, olham-me com curiosidade fugidia, enquanto rumam a casa, à hora do almoço. Na esquina, aguento mais cinco minutos, antes de agarrar o telemóvel e saber o motivo do atraso. Do outro lado, a senhora explica que se esqueceu de o avisar, mas que fique tranquila, ele já se encontra a caminho. Preparo-me para mais um quarto de hora de espera e aproveito para observar o movimento dos estabelecimentos debaixo do calor do meio dia. Mesmo em frente, uma das inúmeras lojas chinesas (…) mostra sinal de muita movimentação, nas outras lojas, nem por isso. Contudo, todos os estabelecimentos tem algo em comum, grades nas portas e janelas. Infelizmente, é esse o Mindelo dos nossos dias. Grades e mais grades, umas mais discretas, de ferro fino e bem pintadas, outras com ar de terem sido postas à pressa, sem pintura e mal soldadas, devido, talvez, a algum assalto inesperado e outras com desenhos quase barrocos de tão rebuscadas. Mas todas com a mesma intenção, barrar “visitas” indesejáveis. O homem, responsável pela execução das protecções aproxima-se e dirigimo-nos ao estabelecimento vazio. Fico a saber que existem dois tipos de maneiras de fixar grades, “chumbando-as”, ou seja, incrustando-as nas paredes do local, método mais seguro, uma vez que a outra alternativa, com parafusos, não oferece tanta segurança, porque os ladrões fazem o obvio, desaparafusam-nas. Mas há mais, aprendo que a desonestidade, infelizmente, pode estar a tomar lugar do “desenrascar” a vida, algo até há pouco tempo, muito característico desta cidade. No embalo da troca de impressões, pergunto se o prazo de entrega, segunda-feira, pode ser mantido, apesar da pequena modificação solicitada no local e ele responde que não sabe como podem dar um prazo de cinco dias, pois está cheio de outros trabalhos para terminar. Digo-lhe que a pessoa que me atendeu, na empresa, me assegurou que o prazo se cumpriria, tendo sido esse o motivo porque não procurei outras alternativas ou sequer discuti preços. O homem rebate que será bastante difícil e acrescenta que se fosse ele, na sua oficina particular, trabalharia durante o fim de semana e cumpriria o prazo, mas sendo assim, não garante nada, respondo-lhe, quase exaltada, que não garante ele, mas garante a empresa. Segundos de silêncio acontecem, enquanto tento perceber o que se está a passar. Para evitar qualquer tipo de pressão, adianto-lhe que já paguei cinquenta por cento do valor e que me certificarei que o prazo é cumprido. O homem, mais ponderado, ainda pergunta se não estou interessada em fazer prateleiras ou outros moveis interiores, respondo-lhe que só desejo as grades, mas ele insiste e consegue que eu escreva o contacto dele num talão de supermercado, se, por acaso, mudar de ideias. Despedimo-nos friamente e afasto-me reflectindo se será verdade o que se passou ou se terei exagerado a dimensão do facto, depois de tanto sol e espera. Por via das duvidas, telefono para a empresa onde me asseguram que o dia de entrega se mantém, não tendo o operário em questão, nada a haver com o cumprimento de prazos.
Clara Vales
Mindelo, 16 de Novembro de 2001

Obs: As grades estiveram prontas nessa segunda feira, mas a esquadria foi mal feita. Não encaixaram. Devolvi-as, pedi os cinquenta por cento de volta e contactei um particular, não esse, outro.

28.8.06

Chafariz

Ribeira da Barca de Santiago.
Um pouco de cor nesta segunda feira!

27.8.06

Mulher Esqueleto

Há dias, por puro acaso, dei de caras, uma vez mais, com a Skeleton Woman, a Mulher Esqueleto. Conhecia o mito e desta vez deveria saber como agir mas, em vez de sorrir de contentamento, assustei-me tanto que, uma vez mais, só consegui correr. Não lhe dei as boas vindas, não tentei ver para além dos ossos, não a libertei da linha de pesca. Quando devia estar alegre e toca-la para lhe dar forma, fugi, como o pescador da história. Não senti alegria, senti antes o medo. Sequer tentei humaniza-la, apenas corri e quando percebi que ela teimava em seguir-me, cortei o fio que nos unia. Deixei-a só, um amontoado de ossos, largada ao vento, sem ninguém para aconchega-la, sem a carne e a lágrima sonhada. Sem vida… Mas chega de divagações, vou contar-vos, de forma resumida a história da Mulher Esqueleto, um mito Inuit que explica a descoberta do bem-querer, perante nós e perante o outro, e do susto que se leva, do medo que se sente, da coragem, da confiança ou da falta de ambas. Espero que consigam agir melhor que eu, da próxima vez que a Mulher Esqueleto aparecer nas vossas vidas. Talvez sim ou talvez não...

“Há muitos anos um pescador esquimó, longe de casa, chegou a uma baía assombrada pela Mulher Esqueleto. Ela tinha sido atirada ao mar por ter feito algo que ninguém mais se lembrava. Os peixes comeram-lhe a carne, os olhos e ela ia flutuando ao sabor das correntes da baia. A linha que o pescador atirou foi prender-se num dos ossos das costelas dela e ele logo pensou que tinha apanhado um grande peixe. Ele lutava lá cima para ver o tinha apanhado e ela debatia-se lá baixo para se desembaraçar. Quanto mais se combatiam, mais a linha ficava embaraçada nos ossos. O kayak balançava e ele fez um último esforço e ela veio á superfície… Aaaah! Gritou quando a viu, meio dentro do barco. Aaah! Quando percebeu os dentes alvos naquele crânio de marfim… e remou para a margem, apavorado. Ela, presa á linha de pesca seguia-o, ainda meio dentro de água. Quando chegou á praia, o pescador apenas se lembrou de apanhar os seus apetrechos e correr feito louco. Mas ela continuou a seguia-lo, presa que estava á linha de pesca… e quanto mais ele fugia mais ela corria atrás dele. Correu as rochas da colina e superfície gelada da grande tundra e quando chegou ao íglo onde morava, arrastou-se pelo canal escuro com o coração disparado e então conseguiu sentir-se seguro. Foi somente quando acendeu a lamparina que deu de caras com ela, um amontoado de ossos, no chão de neve. Mas… talvez tenha sido a luz fraca que lhe suavizou a alvura dos ossos ou talvez tenha sido o pelo facto de ele ser um homem muito solitário… a verdade é que sentiu uma onda bondade e quando finalmente recuperou a respiração e sentiu o coração acalmar, estendeu as mãos e com ternura, ao mesmo tempo que lhe ninava foi desatando os nós da linha embaraçada. Com cuidado ajeitou-lhe os ossos que ganharam a forma humana e embrulhou-a num retalho de peles a manter aconchegada. O pescador, preparou-se para dormir e ela não se atreveu a dizer palavra, com medo de amedronta-lo. Debaixo das peles, sozinho, ele adormeceu e depressa partiu para o mundo dos sonhos. Às vezes, quando as pessoas dormem, uma lágrima desce pela face de quem está a sonhar, nunca sabemos que tipo de sonho causa isso, mas sabemos que tanto pode ser uma lágrima de tristeza ou solidão e foi o que aconteceu ao pescador. A Mulher Esqueleto viu essa pequena lágrima a brilhar à luz da lamparina e sentiu sede… muita sede. Chegou-se ao pé do pescador adormecido e encostou a boca sem labios á lágrima. Essa única lágrima tornou-se num rio e ela bebeu até a sede de muitos anos ficar saciada. Depois, sentou-se ao lado dele, estendeu a mão descarnada e arrancou-lhe o coração que… bum! Bum! bum… soava como um tambor. Foi então que começou a cantar alto: Carne, carne carne! Carne Carne Carne! E quanto mais cantava mais o corpo dela se ia enchendo de matéria, de carne e músculos. Ela cantou por olhos bons, boas mãos e por cabelos. E cantou também pela fenda da vida entre as pernas, pelos seios grandes e mornos e tudo mais que uma mulher necessita. Quando terminou, ela cantou as roupas do pescador, para que desaparecessem e deitou-se com ele. Pele a pele. Retornou o grande tambor, o coração, ao peito do pescador e enlaçou-se nele. E foi assim que acordaram, embrulhados um no outro, já de outra forma… na forma mais feliz e duradoura que existe.”

Às vezes é necessário perder o medo e chorar essa lágrima paixão e compaixão, não tanto pelo outro, mas por nós, mas acima de tudo, por nós. Assim é o ciclo da vida/morte/vida.

Obs: versão original e explicação mais aprofundada deste mito
aqui.

25.8.06

Panorâmica

Tarrafal de Santiago

23.8.06

Estória inspirada num Quadro de Paula Rego

…e foi então, depois do último esgar, daquele último esticão, que o olhar de raiva se extinguiu e ele voltou a ser o menino de oito anos. Ela fechou-lhe os olhos, limpou-lhe a baba que ainda escorria pelo canto da boca, ajeitou-lhe a cabeça nos lençóis empapados, desamarrou-lhe os pulsos e os tornozelos e permitiu-se suspirar. Só depois reconheceu nele o filho que acabava de falecer. Estavam os dois sozinhos no quarto, a humidade ou desespero eram tantos que lhe faltaram as forças. Apagou-se silenciosamente. Disse-me que entrou numa espécie limbo em que nada sentia, apenas estava sem saber se era ou não. Foi o barulho arranhando atrás da porta que a fez voltar a si. Os uivos do marido, o latir dos empregados e o silêncio das crianças… as crianças, foi esse o motivo que a fez levantar naquela manhã. Deu a volta à chave. Sentiu uma mudez tão grande que não gritou, não uivou, sequer ganiu, abriu a porta, ignorou todos e percorreu em tropeções o corredor escuro. Luz, desejava luz. Parou à entrada do quintal, sentiu o calor do sol e ante o espanto de todos, deixou-se cair numa de gargalhada de escárnio. Um riso puro de hiena…uma gargalhada louca que se elevou no ar e pairou sobre a casa. Calou-se quando a acudiram e esteve assim, muda, apática até ao fim da tarde. Só tornaram a ouvi-la quando o empregado regressou do mato, trazendo dentro de um saco de farinha a carcaça do bicho que lhe tinha mordido o filho. Disse quem ouviu, que rosnou o mesmo rosnar de cão e só depois conseguiu chorar a dor...

22.8.06

Ilhéus di Brava

Vista para os Ilhéus de Dentro e de Fora (Rombo e/ou Seco?)
Na edição de 1911, a Enciclopédia Britânica informava, na página 255 do Volume V05, mais ou menos o seguinte: “A norte da Brava existe um grupo de ilhotas, do qual se destacam dois ilhéus (Ilhéus Seccos ou Ilhéus do Rombo). Estes ilhéus são normalmente conhecidos por Ilhéu de Dentro e Ilhéu de Fora. O primeiro é usado como abrigo, pelos navios de pesca da baleia e de pesca e também como local de pasto para os animais; o segundo como local de recolha de guano."
Obs: estive a consultar a palavra guano no site e não encontrei a palavra exacta em português, percebi no entanto que se trata de um fertilizante natural, derivado de excremento de pássaros, muito rico em fósforo e nitrogénio.

17.8.06

O colo da Senhora

Eu sempre acreditei que o Tio Tuca morreria de velhinho. Tão velhinho que voltaria a ser a criança de 3 anos que um dia se sentou no colo da Senhora, no fundo daquele poço de onde saiu. Foi-se ainda não tinha 50 anos e teve a morte mais triste que existe... morreu só sem que ninguém desse por isso. Descobriram-no dias depois estendido no chão da sala desarrumada, no apartamento de uma Luanda tão decadente como a vida que teimou em levar. Mal o conheci, mas as recordações que tenho do Tio Tuca têm um sabor doce e amargo ao mesmo tempo. Numa das poucas vezes em que estivemos juntos, teimou comigo em como seria a ultima vez, eu na altura ainda acreditava que ele morreria com cerca de 100 anos disse-lhe "O tio vai morrer de pura velhice e só não tem a vida eterna porque a carne apodrece.... Está condenado a isso desde que se sentou no colo da Senhora, no fundo daquele poço de água na Guiné." Ele riu-se sem responder. Quando soube que tinha falecido fiquei admirada apesar de saber que teimava em levar a vida como se não houvesse amanhã... luandou, parodiou e bebeu. Não morreu quando lhe extirparam a ulcera e três quartos do estômago, ainda jovem, não morreu numa segunda operação quando, desenganado de vez, o ti’Tio o trouxe quase cadáver para a Praia para se finar junto dos seus, apenas para se vir a descobrir que afinal tinha uma compressa muito bem guardada debaixo do pâncreas. Assim que se pôs bom, rumou de novo a Angola, para junto dos filhos e amigos e da terra que adoptou depois lá ter combatido contra os “carcamanos no Sul e zairenses em Kinfangondo” e continuou a beber. Nunca foi ferido na guerra, mas foi assaltado algumas vezes nos becos e vielas da Luanda que adorava, também não morreu de sova de puta num saguão de hotel de Dakar por pura caturrice, apenas não queria pagar o "capote". Tinha tanta sorte com a porra da vida dele, que pouco importância lhe dava e levou-me a acreditar que estava sempre bem acompanhado. Dizia sempre que ainda não tinha esgotado as suas sete vidas. Que a Senhora do fundo do poço olhava por ele... mas não. Morreu triste, só, o meu Tio Tuca. Hoje, acho que a felicidade que conheceu, sentado no colo Dela, no fundo daquele poço escuro, enquanto esperava que os gritos do pai, da mãe e dos vizinhos amainassem e o fossem buscar, deve ter sido tanta que a vida que ainda tinha a viver pouco lhe importou. Não acho que fossem tendências suicidas, apenas pouco lhe importava. A mãe dele diz que não, que ele foi um bebé que chorou na barriga e que isso é sinal de infelicidade na vida, mas eu continuo a visualizar a estória que me contaram. Que ele devia ter morrido no início dos anos cinquenta, no fundo daquele poço no quintal da casa de Bolama, aos três anos de idade. Que foram buscar um anjinho e viram assomar pelas mãos do Arsénio um menino feliz de sorriso aberto que dizia ter estado sentado no colo de uma senhora... Bendita Senhora! Devias ter morrido bem velhinho tio Tuca… ou será que viveste em dobro?

16.8.06

A Preto e Branco

Fotografia de Miguel Mealha, tirada numa casa em São Filipe, Fogo (aqui reproduzida, com devida vénia). Um fotógrafo com um portfolio fantástico a descobrir. Thanks Teacher.

14.8.06

Descobrir II

Queria deixar duas sugestões de leitura de sites que já se encontram na link list: Cranberry People e Palhabote Ernestina.

1. Aqui, Querino Kenneth Joseph Semedo relata, na primeira pessoa, as memórias da infância e juventude, resgatando do esquecimento o contributo de muitos caboverdianos anónimos que emigraram para os Estados Unidos, no principio do século passado, e que, trabalhando em condições sub humanas, ajudaram a construir, com a força das mãos, as plantações de arando* (cranberry). Uma narração tocante sobre a vida de pessoas que, apesar de chamarem a Cabo Verde “old coutry”, mantiveram as suas raízes e ajudaram familiares nas ilhas mesmo debaixo de muitas dificuldades. Uma lição do passado de quem, em terra estranha celebrou o “Mastro de St. Johns”, “Canta Reis”, mas ainda assim, sobreviveu e integrou-se.
(*: A tradução de cranberry para português é arando. É uma fruta pequenina, vermelha, de sabor acido e da mesma família que o mirtilo e a groselha. É comercializada sob diversas formas, fresca, em sumo, xaropes, cristalizada e passada e nas diversas variedades de doce.)

2. O Palhabote Ernestina… O nosso Ernestina, veleiro que ainda navega no imaginário fantástico de muitos, não é Paulino? Construído em Massachussetts e baptizado com o nome de Effie M. Morrisey, é lançado ao mar no dia 1 Fevereiro de 1894. Foi dos últimos veleiros a levar emigrantes para a América, já sob o nome de Ernestinana e é oferecido aos Estados Unidos por Cabo Verde em 1982. Um veleiro cheio de historia e estórias a descobrir e que antes de ser comprado por Henrique Mendes, desempenhou o seu papel na II grande guerra, esteve ao serviço da Smithsonian em missão expedicionária, quebrou recordes de velocidade e efectuou viagens de exploração ao ártico. Quando se tornou Ernestina, em 1947, fez ligações regulares entre Cabo Verde e os Estados Unidos até 1965, ano em que passou a navegar somente entre as ilhas. O resto, a saga dos que comandaram e viajaram nele, deixo à vossa descoberta. Um site magnifico, completo e com fotografias fabulosas.

10.8.06

Relíquias de C'mád Lígia

… e tudo funciona! Os candeeiros têm tido uso nestes últimos dois meses (ai Electra!) e há uns tempos atrás, comi um arroz malandro excelente que o Cumpad Tito preparou no fogão Primo.

(Obs: Quem sabe sabe... chamaram-me a atenção que não é Fogão Primo mas sim Primus. Já agora, a marca ainda existe e o modelo actualizado é comercializado.)

8.8.06

Descobrir

Não é falta de tempo não, é mais falta de vagar… Mesmo assim não quero deixar de partilhar os últimos sites que me têm entusiasmado! O primeiro é sobre a descoberta curiosa que Darwin fez, na ilha de Santiago, em 1832, logo no início da viagem de exploração que o levaria à volta do mundo, a bordo do H.M.S. Beagle. A jornada durou quatro anos, nove meses e cinco dias e alterou para sempre os horizontes da humanidade. Os outros três dão informações sobre os judeus que se estabeleceram nestas ilhas em duas ocasiões. A primeira vaga, os Cristãos Novos, chegou ao arquipélago pouco depois do seu achamento, entre 1460 e 1497. A segunda vaga, com origem de Marrocos, instalou-se entre 1850 e 1880. Por último a história da colocação dos cabos submarinos no atlântico norte e sul e o papel que a pequena estação telegráfica de “St Vincent” teve. Vale mesmo a pena descobrir…!

3.8.06

De lá do céu

Apetece cantar
"... nha terra é quel piquinino..."
não é?

1.8.06

Flôr da Revolução

Costumo dizer que nada como um bom “sgrovêt” na net para se aprender e descobrir (a minha vénia aos motores de busca… a meu ver, uma das maiores invenções desta era). Gosto de historia e gosto ainda mais de descobrir e saber sobre Cabo Verde. Eu não nasci cá assim como os meus pais. Mas os meus avós são destas ilhas, saíram do Fogo, da Praia e São Vicente no fim da década de quarenta. O meu regresso a casa e ao passado tem sido feito desde 1990, ano em que vim morar para Cabo Verde, e acreditem, não tenho parado de chegar… Eu sou da Guine Bissau, nasci “papel” e aos cinco anos aprendi que era uma flor da nossa revolução. Andei no Jardim Nhima Sanhá onde a professora Júlia me ensinou que os tugas pretos mataram Cabral, para resmunguice do meu avô Lindorff e risota dos meus pais. Ensinaram-me as doidas doidas doidas andam as galinhas ao mesmo tempo que aprendia a desenhar o P, o A, o I, o G e o C. Picotei muito sapo verde e bandeira de Guiné Cabo Verde em papel de lustro. Só comecei a sentir que alguma coisa não estava bem quando, depois do golpe de 1980, me disseram “brumedju ríba bu téra”. Que terra? Foi somente aí que compreendi que afinal éramos caboverdeanos… Eu que comi muito doce Titina Silá, bebi leite Blufo, eu que visitei a Cicer, a Granja e gritava Nhaeee quando os citroen passavam, afinal eu não era de lá! Apesar do esmero da minha educação revolucionária (á medida da Guiné de setenta) conforme os anos foram passando eu fui desconfiando… alguma coisa não batia. Passei a adolescência em Portugal, sempre desenraizada e quando cheguei a Cabo Verde... foi uma descoberta! Havia uma nova revolução, o homem novo dava lugar ao homem democrático ao mesmo tempo que eu me apercebia que havia toda uma história de um povo que existia para lá do ano de 1975… e desde aí não tenho parado de perguntar e perguntar. Afinal há muitas gerações que deixamos de ser descendentes de escravos e da arraia europeia. Tornamo-nos caboverdeanos nas secas, quando as classes compreenderam que não sobreviveriam nestas ilhas perdidas no meio do mar sem entreajuda... e estamos só de passagem, outras gerações virão.

24.7.06

Creolo em 1881

No século XIX já creolo despertava interesse. A imagem ao lado é a capa de um livro publicado em 1881. É interessante descobrir que na altura se sabia da existência das diversas variantes espalhadas pela “Africa, Ásia e América”. Fica um pequeno excerto, muito actual, em termos de sotaque e malcriadeza. “ (...) Duco era un préso que staba na calabôs; ê entendê mê câ stába là sábe, ê fugi êle cû dôs companheros; ô stâ riba cháda; tâ mátâ cábra, tâ forçâ mujéres, tâ fazê tudo casta di poaca borgonha. (...)".

23.7.06

Daddy Grace - Fim


Já tinha ouvido falar de Daddy Grace, mas o que me surpreendeu quando fiz a pesquisa na internet, foi o facto de ele ter ido para os Estados Unidos já homem feito. Apesar das datas não serem certas, teria no mínimo 18 e no máximo uns 22 anos. Cresceu na Brava! Deve ter feito pelo menos a 4ª Classe, falava português, crioulo e acredito que devia saber uma palavra ou outra de Francês. Chega a New Bedford e absorve uma cultura totalmente diferente, separa-se da comunidade caboverdena, sobrevive e constrói o sonho americano baseado na palavra e na fé que proclama. Independentemente de ter utilizado caminhos bastante questionáveis, achei um percurso de vida muito interessante. Mas… ainda hoje, se se perguntar aos mais velhos da sua ilha natal quem foi ele é se capaz de ouvir algo semelhante a “... um aldrabãozinho qui inganá um data di preto lá na Merca”. Eu ouvi.
Sweet Daddy Grace, que declarou que Deus tinha ido para a América no corpo dele e que se Moisés viesse á terra novamente teria seguir a ele, foi audacioso em muitos aspectos. Foi o primeiro a introduzir uma orquestra de sopro nos cultos, orquestra essa que existe até hoje – Sweet Heaven Kings – e numa época em que o máximo que os Yankees poderiam conhecer sobre os caboverdianos era o de serem bons serviçais, comprou, em plena zona aristocrática de New Bedford, uma velha mansão de um magnata da pesca da baleia e mandou pinta-la de Vermelho, Branco e Azul, como as unhas.

Por tudo isso e pelo muito, mas muito mesmo, que ficou por dizer sobre os rituais da igreja que fundou, as implicações sociais, a fortuna (e as dividas) que deixou e o lugar que ocupa na historia recente da América, junto a outros grandes lideres espirituais afro-americanos... por tudo isso, é uma figura que merece ser conhecida. Tanto mais que, da primeira parte do percurso dele, a vida em Cabo Verde, pouco ou nada se sabe (nos documentos on line).

Para quem quiser consultar a bibliografia e outros documentos com informações sobre os rituais, influências e estrutura da United House of Prayer for All People é só clicar em comentários, estão lá todos os links.

17.7.06

Abóboras quentes e Doce d’Jam

Ainda estou a dever o "fim de Daddy Grace” mas... enquanto isso cá vão duas estorias pequeninas de São Cente.

Conheci a Nha T. ainda na Praia, mas foi em São Vicente que com ela privei e aprendi muito sobre o Mindelo de antigamente, especialmente a vida das pessoas mais humildes. Numa dessas conversas de fim de domingo ela contou-me como é que matavam os tubarões que, de vez em quando, resolviam dar o ar de sua graça na Baia… Quando assim acontecia, era dado o alarme e logo um barco partia para o largo, levando a bordo um bidão de água a ferver com umas tantas abóboras lá dentro. Primeiro atraíam os bichos com uma isca ensanguentada e depois deitavam ao mar as abóboras que quando engolidas pelos tubarões os punham a zunir dali para fora com as tripas semi cozinhadas...UI!
Um dia ela falou-me dos produtos ingleses que existiam… talcos, colónias, as pastilhas digestivas, o chocolate Cadbury, o doce d’jam...

- Doce de Jam?- perguntei logo
-Sim! Doce d’jam. Era um doce mut sáb…
- Não Nhá T.… era geleia! Jam na inglês ê géleia, bocê crê dzê géleia…
- Não senhor – respondeu zangada – Doce d’jam ê doce d’jam. Mim conchê geleia mut bem e n’era geleia, era doce d’jam!
“Bem feito pelo atrevimento. Afinal quem me mandou contrariá-la?” pensei condescendente. Mas a Nha T. tinha razão… em inglês geleia diz-se “jelly”. "Jam" será equivalente ao nosso doce tradicional. Quanto muito seria doce d’doce?!? Será? Nesse caso como é que se diz compota? N´tâ lost na translation...

12.7.06

Mindelo Info

Aqui há dias um amigo meu chamou-me a atenção para o facto de, apesar de ter vivido em São Vicente tantos anos ainda não ter escrito nada sobre a ilha. A seu tempo… respondi. Hoje, no meu "esgrôvet" diário pela net, descobri um site (francês) muito interessante sobre o Mindelo. Está em http://www.mindelo.info. Vivi em São Vicente de 1996 a 2003 mas se por acaso quiser saber o que passou na ilha de lá para cá, seja em termos de agenda cultural, acontecimentos de relevo, divulgação de artistas, etc, tenho a impressão encontro tudo ali... e ainda tem um arquivo de 2000 fotos! Gostei.

8.7.06

Gentes de um lugar chamado New Bedford

Já sabem da minha paixão por fotografias antigas... enquanto pesquisava imagens de Daddy Grace encontrei estas fotos no site: http://www.s-t.com/daily/02-97/02-02-97/a11lo052.htm. Vale a pena "clicar" e ler as legendas das fotografias.

Sweet Daddy - II

Marcelino Manoel da Graça, natural da Ilha Brava, era um cabo-verdiano e como tal, descendente de africanos e europeus. Não era negro mas também não era branco. Era um “light skin” como os americanos dizem. Isso é importante de se registar se se tiver em conta que o seu aspecto era atraente aos negros americanos que tinham interiorizado o sistema de castas. Também é relevante realçar que, apesar de a grande maioria dos seus seguidores terem sido oriundos dos guetos, onde a segregação racial e a miséria imperavam, o que ele defendia não era uma filosofia africana nacionalista ou mesmo pregava qualquer tipo de doutrina baseada no orgulho de ser africano.
Daddy Grace apelou antes a uma satisfação mais imediata… o estado de euforia, algo que preencheu o vazio emocional dos seus seguidores e lhes permitiu fugir à realidade de uma vida monótona e sem esperança. Auto intitulou-se Bispo e levou os seus fiéis a acreditarem que podia curar doenças e ressuscitar pessoas. Anunciou que era a “Graça do Mundo” e que só ele tinha o poder divino de lhes lavar os pecados… É alias famosa a frase que diz “Daddy Grace has given God a vacation. If you sin against God, Grace can save you, but if you sin against Grace, God can't save you."(!!!)
Apesar de o sucesso de Sweet Daddy Grace se ter apoiado nas necessidades emocionais dos seus seguidores, na ilusão de os encher de “Graça”, a religião, para ele, era baseada na sua própria pessoa. Por isso investiu na sua própria imagem tendo mesmo cultivado um lado excêntrico. Uns dizem que usava um bigode verde, outros duvidam, mas o que é correcto é que a determinada altura usava casacos verdes e púrpura (lembrem-se do ambiente que havia inicio do filme Malcom X e não vai parecer tão estranho) e pintava as unhas (enormes) de azul, vermelho e branco, o que para os fiéis não era mais do que uma prova da sua santidade, uma vez que a bíblia fala de um profeta com cornos crescendo-lhe nas mãos.
Sweet Daddy foi mais longe… criou o sabonete “Daddy Grace” que limpava o corpo, reduzia a gordura ou curava, de acordo com a necessidade de quem usava. Lançou a “Grace Magazine” que quando colocada no peito de uma pessoa que sofria de gripe ou tuberculose, curava. Lançou outros produtos "DG" como café, chá, brilhantina, pó de arroz, biscoitos, etc. Conseguiu implementar uma venda de sucesso com produtos de fé (bandeiras, uniformes elaborados, espadas, bastões de peregrinos, emblemas).
(continua na próxima semana, em 1 ou 2 posts e no fim ponho a bibliografia)

Sweet Daddy Grace - I

Hoje (e em futuros posts) vou tentar contar a história e as muitas estórias de Marcelino Manoel da Graça. Um homem que nasceu nestas ilhas, emigrou para os Estados Unidos e aí criou o seu “American Dream”. Uma figura fantástica!
Charles Manoel Grace, mais conhecido por “Sweet Daddy Grace”, nasceu a 25 de Janeiro de 1881 [1] na ilha Brava. Em 1903 [2] mudou-se, juntamente com a família, para New Bedford, nos Estados Unidos da América, onde trabalhou como merceeiro, vendedor e cozinheiro nos caminhos-de-ferro antes de, em 1919 (mais uma vez, as datas variam), ter fundado o culto/seita chamado “United House of Prayer for All People”. Na América, pouco sabem sobre as suas origens, como muitos líderes religiosos negros da época, Daddy Grace, preferiu manter o passado em águas turvas. Certo é que em 1960, quando faleceu, era um dos negros mais ricos e poderosos da América, dono (só para dar alguns exemplos) de uma mansão de 85 quartos em Los Angeles e de uma frota de Cadillac’s; criador e detentor dos lucros de uma linha de produtos “Daddy Grace” que iam desde cafés, chás, sabonetes, cremes, etc. e líder espiritual, conselheiro e “pai” de cinco milhões e meio de fiéis (dados da própria Igreja). Apesar dos muitos críticos que diziam que ele não passava de uma fraude colossal, no período entre 1940 e 1960, Sweet Daddy foi uma figura de proa entre os negros americanos… um chefe religioso, capaz de arrastar multidões eufóricas e movimentar influencias consideráveis.
O estilo Sweet Daddy foi grandemente influenciado pelos pastores do “sul profundo” da América, que baseavam os seus cultos em ritos pentecostais (do tipo IURD). É interessante de se notar que o apelo “doce” de Daddy Grace não tocou os caboverdeanos-americanos. Com efeito, devia parecer muito estranho à comunidade das ilhas na altura, conhecida por ser tradicionalmente Católica e adversa a cultos religiosos, a maneira evangelista de pregar, baseado na experiência Afro-Americana e a aparência “flamboyante” de Daddy. Mas foi justamente esse estilo e aparência que foi apelativo aos Afro-Americanos.
(continua...)
[1] Outras datas são indicadas nos documentos on line que consultei. Normalmente abrangem os anos 1880 a 1884.
[2] Também aqui as datas variam, havendo documentos que indicam 1900 e outros que dizem início de 1900.

3.7.06

Cabo Verde 1460 - 1996

Para quem gosta de historia recomendo a leitura de "REFERÊNCIAS CRONOLÓGICAS: CABO VERDE/CABOVERDIANOS AMERICANOS". Abrange o "período" compreendido entre o ano de 1460 ao ano de 1996. Muito resumido e interessante. Vale a pena ler!

1.7.06

3 cores e uma cabrinha...


... numa casa em Santiago.

28.6.06

Decada de Noventa na Praia

Estava aqui a lembrar-me do início da década de noventa na Praia. Sabem… quando não havia Internet, telemóveis e até um simples telefonema para São Vicente nos tirava tara… Naquele tempo, não existia RTP ou RDP Africa, para não falar em TV por satélite. Não havia SporTV e não se assistia facilmente os grandes jogos de futebol. Os CD’s começavam a ser de uso corrente, ter um discman… nem tanto e MP3 ou IPOD era coisa por inventar. O sistema operativo mais comum utilizado nos PC´s era o MSDos e as diskettes tinham que ser formatadas. O Palácio do Governo da Várzea ainda estava em construção, serviços eram concentrados no Plateau e toda a gente tinha o hábito de passar pela praça antes de ir para casa. Não existia o Palmarejo e o Meio da Achada era um caos, sem ruas calcetadas mas com muitas casas construídas. Não havia Chinês... Não havia lojas de chineses porta sim, porta sim e o Sucupira imperava. Existia rotura de stocks, a farinha acabava, o pão faltava e fruta importada era quase um “San Jon/Corp d’Deus”. Carro não era para todos, Starlets e Micras não rodavam nas estradas de paralelo. As festas ainda eram feitas com multas e “Zero Horas” era um sabura só! Não havia os Caçu Body mas lembro-me do bando dos terriveis “Netinhos da Vovó”.

Poderia dar outros exemplos, mas não quero cair em saudosismos e comparações com o tempo presente. Lembrava-me apenas porque senti uma pontada de nostalgia pela inocência que existia. Senti saudades do meu grupo de então e da Casa da Tia Nela na Achada de Santo António. Mas isso é matéria para um outro post, não é Betty?

21.6.06

Cabo Verde – Como éramos


Desde que me lembro que tenho um fascínio por fotografias antigas. Os daguerreótipos então impressionam-me com a qualidade excepcional da imagem, do brilho e a tonalidade. Tenho gravado na mente um retrato de uma tia-avó do meu avô Lindorff, que vi há uns anos atrás, em Lisboa… a expressão do olhar, a rigidez da pose, o penteado, a vestimenta elaborada e a nitidez do jardim que serviu de cenário. Um encanto! Gosto tanto de fotografias antigas e amarelecidas pelo tempo, que era para chamar a este blog “Sépia”. Acredito que até as nossas memórias com o tempo ganham essa matiz. Sempre que observo alguém fotografado há muitos anos, recordo-me da cena “Carpe Dien” do filme “Death Poets Society”. Os retratos falam-nos de um tempo que passou, que não volta. Até os nossos próprios retratos falam connosco…

No blog “Mindel na Coraçon” (ver nos meus Links) descobri um link incrível chamado “Colecção Traudi Coli” - http://eyeballs.net/verde/ , com fotografias e daguerreótipos de um Cabo Verde esquecido. São centenas de imagens destas ilhas, dos nossos antepassados e da comunidade cabo-verdiana emigrada nos Estados Unidos. Recomendo… e de passagem não deixem de “clickar” em http://www.ernestina.org , o site do Palhabote "Ernestina”.

(desculpem os 1001 adjectivos deste post… é que o entusiasmo é grande!)

20.6.06

Minineça

Mininus na Portu di Ribera da Barca

15.6.06

Catchorrona e La Llorona

A primeira vez que ouvi falar de Catchorrona foi pela boca de um Santantonense. O Senhor Maurício, homem nascido e criado lá na “Mon pa Trás”, contou-me como foi que numa madrugada deu de caras com uma enorme Catchorrona. Disse-me que tudo aconteceu depois de um baile, para as bandas do Paúl, quando ele, o irmão e o primo faziam a pé o caminho de casa. No meio das palhaçarias de juventude, ele, Maurício, deu-se conta de um enorme vulto cabeludo debruçado numas pedras na “órela” de mar. Quando percebeu que era uma “Catchorrona” por pouco não cuspiu o coração… Felizmente teve o sangue frio de agir em conformidade, perante uma assombração dessa natureza. Sem dizer nada aos companheiros, incentivou-os a cantarem o resto do percurso enquanto que lhes desviava a atenção do local onde a bicha estava. Chegaram a casa inteiros, mesmo porque ele fez questão de não tornar olhar a Catchorrona pelo que ela também não lhes ligou, ocupada que estava a lavar os meninos “trôd”. Se bem me lembro, a versão do Senhor Maurício era que em vida, a Catchorrona tinha sido uma mulher muito bonita e leviana, pelo que foi amaldiçoada com a praga de não encontrar paz eterna enquanto os meninos que tinha abortado não tivessem vingado. Ela tinha particular gosto pelas horas minguadas, aproveitando as águas da rebentação para lavar as crianças e as suas próprias feridas. Foi somente na manhã seguinte, com o sol crã, que ele contou da Carchorrana ao irmão, pois o melhor a fazer quando se cruza com essa maldição é ignora-la, desviando o espírito para sentimentos alegres ou ela encontrará o caminho até á pessoa que a viu, através da tristeza e do medo.
(…)
Uns tempos depois ofereceram-me o “Women Who Run With the Wolves: Myths & Stories About the Wild Woman Archetype” de Clarissa Pinkola Estes (um livro recomendado tanto a "mulheres que correm com os lobos como aos homens que se atrevem a correr com as mulheres que correm com os lobos”) e foi então que fiz uma descoberta interessante… A estória da Catchorrona também existe na América Latina. São tão similares as versões, que chega a ser impressionante. No México, para alem de fazer parte do folclore nacional, ela tem a aparência de uma mulher normal e é (pré)sentida perto de lagos, rios ou lugares ermos. O nome dela é “La Llorona” (a chorona). http://www.lallorona.com/La_index.html é um site, de entre muitos que encontrei na net, que lhe é dedicado. As conclusões e investigações ficam ao vosso critério. Às vezes o que pensamos ser muito nosso, muito nacional… não é!

12.6.06

Anúncio em Chã

Chã das Caldeiras - Ilha do Fogo

7.6.06

Burcã e Burca

Hoje dei conta que há uns dias que não “postava” nada. Sei que uma boa fotografia vale mais que mil palavras... mas mesmo assim queria colocar algo poético. Mas confesso… isto de inspiração ultimamente anda muito mal… por isso tentei procurar um texto na net ao mesmo tempo que ruminava que isto de ter um site só sobre Cabo Verde já me está a parecer muito meloso… enjoativo, eu não sou só isso! Mas esforcei-me, tentei as palavras obvias, “vulcão”, “ilha do fogo”, “erupção”, não gostei dos resumos que li, tentei em inglês, “sleeping volcano”, e outras entradas similares, nada, mas nada do meu agrado, por fim tentei “burcã”…, a palavra assumida pelo motor de busca é “burca”, o traje que as mulheres afegãs são obrigadas a vestir e que as tapa dos pés à cabeça.
...
Hoje descobri que no Afeganistão há o Ministério para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício (não podia ser mais digno de George Orwell ou Aldous Huxley) que classifica as coisas proibidas e impuras da vida. Segue-se a ultima parte do artigo que está no site: www.clipmulher.com.br/clip/clipmulher_UOL_1.htm
...
Ministério para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício
...
(é proibido) Para todos:
...
Porco e derivados, e lagosta
Filmes e fotografias
Videocassetes, televisores e antenas parabólicas
Computadores e Internet
Empinar pipa e jogar xadrez
Mesas de bilhar e fogos de artifício
Criação de pombos e revistas de corte e costura e moda
Bater palmas em eventos esportivos
Cantar e dançar
"Qualquer coisa que difunda o sexo e esteja cheia de música"
...
(é proibido) Para as mulheres:
...
Falar ou rir alto
Andar de bicicleta ou motocicleta
Mostrar os tornozelos
Usar calçados que façam barulho e maquiagem
Sair de casa desacompanhada de um parente (homem)
Freqüentar escola
Falar com homens que não sejam parentes próximos
Trabalhar (com exceção de algumas poucas médicas e enfermeiras)
...
Sinceramente, não sei me rio ou se choro...

31.5.06

Limando arestas

Hoje passei o dia a limar algumas arestas do blog. Refiz os primeiros posts e estive às voltas com a apresentação. As alterações são poucas à primeira vista e ainda assim não está bem o que eu quero. Com o tempo acredito que chegarei lá. Acho que já é possível ler os “Os Almeidas de Praia Branca” (post do dia 11 de Maio) e entender quem é quem. Houve alguns amigos e familiares que se perderam no meio de tantos nomes, “nominhas” e gerações… tive que identificar mais claramente os personagens. Proximamente “postarei” a árvore genealógica dos “Almeida”. Fico por aqui...

29.5.06

"O Primo Constant" e outras recordações da Guiné

"O primo Constant morreu com os pés de fora da cama, de tão grande que foi. Vomitou, em soluços negros, o fígado liquefeito de alguma maleita misteriosa que ninguém da família soube pôr o nome mas que o jovem médico da tropa portuguesa chamou solenemente, ao fim de uma pequena indagação à sua vida passada, de “resquícios da acção do quinino num fígado combalido pelo consumo exacerbado de álcool”. Mas, para o avô Lindorff, o primo querido não poderia ter morrido do “diagnóstico disparatento desse doutorzinho de merda” e acabou que oficialmente e para os anais da família a razão do seu falecimento se deveu a mandioca crua que tinha ingerido horas antes de começar a bolsar uma gosma negra, qual criança acabada de mamar. Quando depois de meia hora e quatro águas gaseificadas percebeu que o refluxo apenas piorava, meteu-se na station e descondongou de Bafatá até Bissau, onde chegou ao anoitecer, com cor de sobra de baguitch bem pangado, pronto para se acabar de desfazer em suor e postas de sangue coagulado, tão perfeitinhas, que mais parecia que paria sanguessugas pela boca. Acabou-se no catre do Hospital Central, tão fino e mirrado que somente os pés desalmados fora da cama, testemunharam o que era seu a seu dono.
Em mil novecentos e setenta e oito, quando a avó Luzia me contou a “estoria” da morte pela mandioca, na cozinha da casa de Bissau, tentando evitar que eu abarbatasse bocadinhos do tubérculo assassino, com a lucidez dos meus sete anos, perguntei-lhe como podia ele, que comeu coisa branca, morrer vomitando coisa preta. Ela acabou por concluir em voz alta, reflectindo se calhar pela primeira vez no assunto, que o fígado do primo depois de viver anos alagado em bebida, ressecara como uma pedra que estala ao sol quente do meio-dia, iniciando daí uma viagem ao mundo exterior, para ver se cá fora, ainda se poderia afogar em vinho de palma. E a mandioca, perguntei de boca cheia, e a mandioca… e a mandioca… respondeu, e sem concluir a frase, enxotou-me para o quintal, onde ainda levei a boca, um último pedaço criminoso.
Mas agora, escrevendo sobre o assunto, ocorre-me que o vinho palma também é branco, enfim, loucuras da minha gente!"
Escrevi este texto em Março de 2004 e somente há tempos tive oportunidade de o dar a conhecer á minha avó Luzia que não perdoou o facto de eu não me ter esquecido da cena da cozinha... Se ela soubesse como as recordações que tenho da minha infância na Guiné me são queridas… Ainda me lembro da sensação de adormecer na carpete da nossa incrível sala de visitas, pintada a quatro cores, onde imperava a enorme estante de mogno cheia de readers digest dos anos 40 e 50 e de bibelots de ocasião, comprados ou nas visitas a Lisboa ou nos Armazéns do Povo. Num canto, entre a segunda janela e o cesto de revistas brasileiras, ficava a pata de elefante oca que eu, às escondidas, me divertia a calçar. Penduradas nas paredes, as cabeças de gazela empalhadas que o tio Carlos tinha mandado de Angola, muito tristes e carunchosas, com os seus olhos de contas de vidrinho e que ainda assim, velavam o meu sono nas horas quentes da sesta… Também não me esqueço dos sofás, de napa vermelha, muito ao estilo anos 50 e da ventoinha do tecto que era ligada quando havia visitas importantes. Vês avó? Se não me lembrar desses detalhes, então não serei eu…

24.5.06

Meu Mar


São Vicente - Amanhecer na Ponta do Farol da Baía de São Pedro - Abril de 2006

As ondas do meu mar são douradas e a espuma é doce como o mel.
No meu mar há planaltos e vales que são montados de sombra e de luz.
Nele existem aromas mornos e risos húmidos que me embalam
Enquanto as suas marés, sem ciclos e luas, invadem as minhas praias.

22.5.06

Mininus di Furna


Nesse dia também me apeteceu jogar ao ring.
Ilha Brava, em Janeiro de 2006.

17.5.06

"Mal d' Amor"

Letra da morna "Mal d' Amor".
Original manuscrito por Eugénio Tavares.
Essa e outras preciosidades sobre a Vida e Obra do Poeta
e a Ilha Brava no site www.eugeniotavares.org

16.5.06

"Burcã"



A ilha do Fogo vista da ilha Brava. Janeiro 2006

12.5.06

"Perdão Emília" Morna, Modinha ou Fado de Coimbra?

Um amigo, que não é das ilhas, disse-me aqui há uns meses que a Morna “Perdão Emília” mais parecia um fado de Coimbra. Eu, na minha ignorância, afiancei que não, que era uma morna nossa, antiga, mas muito nossa e que, quanto muito teria influências o fado de Coimbra, mas mais nada! Uns tempos depois descobri que tinha me enganado redondamente mas... graças à aula espectacular sobre o Ultra Romantismo que o Professor Camilo me deu o ano passado, pude levantar algumas duvidas e quem sabe, dar a volta à questão. Para saber mais, é só ler a nossa troca de emails.
.
Email do meu amigo:
.
(…) Não sei se já tinha comentado que gostava muito da letra da morna, "Perdão Emília". Ontem na Internet, descobri que afinal a letra é já do século XIX e não é de nenhuma morna, mas sim duma modinha (Brasil). A letra conhecida da morna está um pouco adulterada, o original parece que é assim:
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Já tudo dorme, vem a noite em meio.
a turva lua surgindo além:
tudo é silêncio; só se vê na campa
piar o mocho no cruel desdém.
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Depois, um vulto de roupagem preta,
no cemitério com vagar entrou.
Junto ao sepulcro, se curvando a medo,
com triste frase nesta voz falou:
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" - Perdão, Emília, se manchei-te a vida,
se fui impuro, fui cruel, ousado...
Perdão, Emília, se manchei teus lábios.
Perdão, Emília, para um desgraçado."
.
" - Monstro tirano, por que vens agora
lembrar-me as mágoas que por ti passei?
Lá nesse mundo em que vivi chorando,
desde o instante em que te vi e amei.
.
Chegou a hora de tomar vingança,
mas tu, ingrato, não terias perdão...
Deus não perdoa as tuas culpas todas,
Castigo justo tu terás, então.
.
Perdi as flores da capela virgem
Cedi ao crime, que perdão não tinha,
mas, tu, manchaste a minha vida honesta,
depois, zombaste da fraqueza minha...
.
Ai, quantas vezes, ao meus pés, curvado,
davas-me prova de teu puro amor.
Quando eu julgava que fosses um anjo,
não via fundo nesse olhar traidor.
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Mas vês agora, que o corpo em terra
tombou, de chofre, sobre a lousa fria."
E quando a hora despontou, na lousa
um corpo inerte a dormitar se via:
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" - Perdão, Emília, se manchei-te a vida,
se fui impuro, fui cruel, ousado...
Perdão, Emília, se manchei teus lábios.
Perdão, Emília, para um desgraçado (fim.)
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Que achas? (fim do email do meu amigo)
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Claro que fui logo pesquisar e encontrei muita informação sobre a letra da musica em diversos sites, do qual destaco esta pequena biografia que está em: http://cliquemusic.uol.com.br/artistas/paraguassu.asp

Paraguassu 25/5/1894 - 5/1/1976
Biografia:
Filho de imigrantes italianos, nasceu e foi criado no bairro do Brás, em São Paulo. Aprendeu a tocar violão com um vizinho e logo se tornou um seresteiro famoso na região. Aos 14 anos se apresentava em um café e foi convidado para participar de um espetáculo no circo Spinelli. Na década de 20 fez gravações para a Casa Edison e ingressou em 1924 na Rádio Educadora Paulista, passando depois ao elenco da Columbia, onde trabalhou com o maestro Gaó. No período na Columbia gravou cerca de 150 músicas. Fez sucesso cantando modinhas, serestas e toadas sertanejas, como "Luar do Sertão" (Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco), "Triste Caboclo", "Lamentos" (Catulo da Paixão Cearense), "Tristezas do Jeca" (Angelino de Oliveira). Participou da Série Caipira de Cornélio Pires, em que gravou, sob o pseudônimo Maracajá, "A Encruziada" (A. de Oliveira) e "Cantando o Aboio" (A. de Oliveira/ Cornélio Pires). Seu último grande sucesso foi a modinha "Perdão, Emilia" (J.H. Silva/ Juca Pedaço), de 1945."

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E descobri mais... A minha resposta ao email desse meu amigo:
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(…) Sobre a tua descoberta, quero que leias este excerto que copiei de uma transcrição de um programa brasileiro de datado de Março de 1952 que está no site http://daniellathompson.com/Texts/Pessoal/pessoal17.htm (e que é uma delicia de se ler, diga-se!)
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“(...) "Entre as velhas e mais plangentes modinhas do Brasil figura a célebre “Perdão Emília”, soturna cantiga que foi [flor?] pelo Brasil afora no tempo das serenatas. Jamais se apurou quem a escreveu. Aproveitando-se dessas circunstâncias, um cantor paulista apossou-se dela, gravando-a em discos com o seu nome. É uma desfaçatez, que foi uma nódoa na decência da profissão de autores e de cantores nessa terra. “Perdão Emília”, segundo informação de antigos ouvintes, informações a que dão curso sem apoiar ou desapoiar, foi composta por um português chamado José Henrique da Silva, que residiu longo tempo em São João da Barra. Foi escrita há 63 anos, em 1889, quando o seu autor contava 24 anos de idade. Isso, repito, é a informação de um ouvinte que nos deu por carta, e que jamais pudemos apurar. A velha modinha que vai agora para atender a o que nos pedem D. Jerusa Carvalho e sua irmã D. Mariana Carvalho."
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Tendo em conta o que esta escrito em cima, sabes que a tua teoria, de que, originalmente, seria um fado de Coimbra pode até ser verdade? E ainda vou mais longe e digo que o poema (ou inspiração) é muito mais antigo do que a data dada. Ainda que possa estar errada, acho que pela estrutura que apresenta, está inserido no Romantismo ou melhor, Ultra Romantismo, que terminou, "oficialmente", com a "Questão Coimbrã". Ora tendo o pretenso autor (em 1889) 24 anos... hmmm. Quero dizer, um jovem, letrado, culto e a escrever assim de forma "démodé"... duvido!
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Já agora... já ouviste falar de Soares de Passos? Lê a mini biografia que se segue e depois lê a balada "O Noivado do Sepulcro"
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Soares de Passos (1826-1860)
Soares de Passos nasceu no Porto e foi estudar em Coimbra onde fundou o jornal "O Novo Trovador". Nele colaboraram poetas da segunda geração romântica. Os seus poemas foram publicados no ano de 1856 em uma colectânea intitulada "Poesias". Soares de Passos faleceu prematuramente, sendo, no entanto, um dos mais significativos poetas ultra-românticos portugueses. A sua composição mais conhecida é "O Noivado do Sepulcro", que foi muito ironizado pelos escritores realistas.
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O Noivado do Sepulcro - Balada
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Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranqüila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.
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Que paz tranqüila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
Dentre os sepulcros a cabeça ergueu.
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Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na mormórea cruz.
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Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.
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Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre os ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:
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"Mulher formosa, que adorei na vida,
E que na tumba não cessei de amar,
Por que atraiçoas, desleal, mentida,
O amor eterno que te ouvi jurar?
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Amor! engano que na campa finda,
Que a morte despe da ilusão falaz:
Quem dentre os vivos se lembrara ainda
Do pobre morto que na terra jaz?
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Abandonado neste chão repousa
Há já três dias, e não vens aqui...
Ai, quão pesada me tem sido a lousa
Sobre este peito que bateu por ti!
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Ai qão pesada me tem sido!"e em meio
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.
.
"Talvez que rindo dos prostestos nossos,
Gozes com outro d'infernal prazer;
E o olvido cobrirá meus ossos
Na fria terra sem vingança ter!"
.
— "Ó nunca, nunca!" de saudade infinita,
Responde um eco suspirando além...
— "Ó nunca, nunca!" repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços tem.
.
Cobrem-lhe as formas divinais, airosas.
Longas roupagens de nevado cor;
Singela c'roa de virgíneas rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.
.
"Não, não perdeste meu amor jurado:
Vês este peito? reina a morte aqui...
É já sem forças, ai de mim, gelado,
Mas ainda pulsa com amor por ti.
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Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
Da sepultura, sucumbindo à dor:
Deixei a vida... que importava o mundo,
O mundo em trevas sem a luz do amor?
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Saudosa ao longe vês no céu a lua?"
— "Ó vejo sim... recordação fatal"
— Foi à luz dela que jurei ser tua
Durante a vida, e na mansão final.
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Ó vem! se nunca te cingi ao peito,
Hoje o sepulcro nos reúne enfim...
Quero o repouso do teu frio leito,
Quero-te unido para sempre a mim!"
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E ao som dos pios co cantor funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério
Foi celebrado, d'infeliz amor.
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Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.
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Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletdos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só. (fim)
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Agora compara com a letra da modinha "Perdão Emília" tal qual foi cantada por Paraguaçu em 1945. Claro que o resto podemos deduzir... a modinha foi trazida do Brasil para Cabo Verde nos finais dos anos quarenta, e entrou no reportório das musicas tocadas... por fim, para os mais novos, tornou-se uma morna, tendo entretanto a letra sido deturpada. (fim do meu email)
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Nota: (hoje) A última versão da "morna" "Perdão Emília", gravada em Cabo Verde em ____ por ____ é cantada assim:
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Posso também acrescentar que, segundo este site, "Perdão Emília" foi a primeira modinha gravada no Brasil pela Casa Edison em 1902 e em 1906 ocupou o 13º lugar do "TOP 40 SONGS OF 1906 records and sheet music sales" no Brasil.
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E se o percurso do “Perdão Emília”, foi feito de uma outra forma? Há ainda muito por descobrir no triângulo Atlântico formado por Cabo Verde, Brasil e Portugal. Mas... O facto de não saber, com certeza, se é um fado, uma morna ou uma modinha apenas faz o “Perdão Emília” ainda mais delicioso de se ouvir. Quem puder dar uma ajuda…