29.8.06

Mindelo há cinco anos

O ano de 2001 era para ser o ano em que eu me tornaria empresária! Bom… dona de butik para ser mais exacta. Deu tudo errado! Claro que, para quem me conhece bem, isso não foi novidade nenhuma. Na altura, apesar dos avisos resolvi embarcar na aventura. Para cúmulo dos cúmulos, abri o Balão Mágico, loja de roupas infantis, quando o boom das lojas chinesas estava a rebentar em São Vicente. Resumindo… pouca venda e falência em 11 meses! No fim restou-me a consolação de saber que não nasci para ser dona de butik. Na mesma altura, e sob o nome de Clara Vales, assinei, durante uns poucos meses, uma coluna no Jornal Terra Nova. É uma dessas pequenas crónicas que vou aqui transcrever. Penso que, apesar de se terem passado cinco anos, o tema é actual e, ao mesmo tempo, fala dessa cidade onde eu vivi muitos anos, o Mindelo. A crónica chamava-se…

Desenrascado ou Desonesto?
Sol a pique. O homem está atrasado. Dou-lhe desconto, é hora da ponta. No alcatrão da Baltazar Lopes da Silva, carros cruzam-se em situação de semi tráfego. Condutores e acompanhantes, olham-me com curiosidade fugidia, enquanto rumam a casa, à hora do almoço. Na esquina, aguento mais cinco minutos, antes de agarrar o telemóvel e saber o motivo do atraso. Do outro lado, a senhora explica que se esqueceu de o avisar, mas que fique tranquila, ele já se encontra a caminho. Preparo-me para mais um quarto de hora de espera e aproveito para observar o movimento dos estabelecimentos debaixo do calor do meio dia. Mesmo em frente, uma das inúmeras lojas chinesas (…) mostra sinal de muita movimentação, nas outras lojas, nem por isso. Contudo, todos os estabelecimentos tem algo em comum, grades nas portas e janelas. Infelizmente, é esse o Mindelo dos nossos dias. Grades e mais grades, umas mais discretas, de ferro fino e bem pintadas, outras com ar de terem sido postas à pressa, sem pintura e mal soldadas, devido, talvez, a algum assalto inesperado e outras com desenhos quase barrocos de tão rebuscadas. Mas todas com a mesma intenção, barrar “visitas” indesejáveis. O homem, responsável pela execução das protecções aproxima-se e dirigimo-nos ao estabelecimento vazio. Fico a saber que existem dois tipos de maneiras de fixar grades, “chumbando-as”, ou seja, incrustando-as nas paredes do local, método mais seguro, uma vez que a outra alternativa, com parafusos, não oferece tanta segurança, porque os ladrões fazem o obvio, desaparafusam-nas. Mas há mais, aprendo que a desonestidade, infelizmente, pode estar a tomar lugar do “desenrascar” a vida, algo até há pouco tempo, muito característico desta cidade. No embalo da troca de impressões, pergunto se o prazo de entrega, segunda-feira, pode ser mantido, apesar da pequena modificação solicitada no local e ele responde que não sabe como podem dar um prazo de cinco dias, pois está cheio de outros trabalhos para terminar. Digo-lhe que a pessoa que me atendeu, na empresa, me assegurou que o prazo se cumpriria, tendo sido esse o motivo porque não procurei outras alternativas ou sequer discuti preços. O homem rebate que será bastante difícil e acrescenta que se fosse ele, na sua oficina particular, trabalharia durante o fim de semana e cumpriria o prazo, mas sendo assim, não garante nada, respondo-lhe, quase exaltada, que não garante ele, mas garante a empresa. Segundos de silêncio acontecem, enquanto tento perceber o que se está a passar. Para evitar qualquer tipo de pressão, adianto-lhe que já paguei cinquenta por cento do valor e que me certificarei que o prazo é cumprido. O homem, mais ponderado, ainda pergunta se não estou interessada em fazer prateleiras ou outros moveis interiores, respondo-lhe que só desejo as grades, mas ele insiste e consegue que eu escreva o contacto dele num talão de supermercado, se, por acaso, mudar de ideias. Despedimo-nos friamente e afasto-me reflectindo se será verdade o que se passou ou se terei exagerado a dimensão do facto, depois de tanto sol e espera. Por via das duvidas, telefono para a empresa onde me asseguram que o dia de entrega se mantém, não tendo o operário em questão, nada a haver com o cumprimento de prazos.
Clara Vales
Mindelo, 16 de Novembro de 2001

Obs: As grades estiveram prontas nessa segunda feira, mas a esquadria foi mal feita. Não encaixaram. Devolvi-as, pedi os cinquenta por cento de volta e contactei um particular, não esse, outro.