Eu sempre acreditei que o Tio Tuca morreria de velhinho. Tão velhinho que voltaria a ser a criança de 3 anos que um dia se sentou no colo da Senhora, no fundo daquele poço de onde saiu. Foi-se ainda não tinha 50 anos e teve a morte mais triste que existe... morreu só sem que ninguém desse por isso. Descobriram-no dias depois estendido no chão da sala desarrumada, no apartamento de uma Luanda tão decadente como a vida que teimou em levar. Mal o conheci, mas as recordações que tenho do Tio Tuca têm um sabor doce e amargo ao mesmo tempo. Numa das poucas vezes em que estivemos juntos, teimou comigo em como seria a ultima vez, eu na altura ainda acreditava que ele morreria com cerca de 100 anos disse-lhe "O tio vai morrer de pura velhice e só não tem a vida eterna porque a carne apodrece.... Está condenado a isso desde que se sentou no colo da Senhora, no fundo daquele poço de água na Guiné." Ele riu-se sem responder. Quando soube que tinha falecido fiquei admirada apesar de saber que teimava em levar a vida como se não houvesse amanhã... luandou, parodiou e bebeu. Não morreu quando lhe extirparam a ulcera e três quartos do estômago, ainda jovem, não morreu numa segunda operação quando, desenganado de vez, o ti’Tio o trouxe quase cadáver para a Praia para se finar junto dos seus, apenas para se vir a descobrir que afinal tinha uma compressa muito bem guardada debaixo do pâncreas. Assim que se pôs bom, rumou de novo a Angola, para junto dos filhos e amigos e da terra que adoptou depois lá ter combatido contra os “carcamanos no Sul e zairenses em Kinfangondo” e continuou a beber. Nunca foi ferido na guerra, mas foi assaltado algumas vezes nos becos e vielas da Luanda que adorava, também não morreu de sova de puta num saguão de hotel de Dakar por pura caturrice, apenas não queria pagar o "capote". Tinha tanta sorte com a porra da vida dele, que pouco importância lhe dava e levou-me a acreditar que estava sempre bem acompanhado. Dizia sempre que ainda não tinha esgotado as suas sete vidas. Que a Senhora do fundo do poço olhava por ele... mas não. Morreu triste, só, o meu Tio Tuca. Hoje, acho que a felicidade que conheceu, sentado no colo Dela, no fundo daquele poço escuro, enquanto esperava que os gritos do pai, da mãe e dos vizinhos amainassem e o fossem buscar, deve ter sido tanta que a vida que ainda tinha a viver pouco lhe importou. Não acho que fossem tendências suicidas, apenas pouco lhe importava. A mãe dele diz que não, que ele foi um bebé que chorou na barriga e que isso é sinal de infelicidade na vida, mas eu continuo a visualizar a estória que me contaram. Que ele devia ter morrido no início dos anos cinquenta, no fundo daquele poço no quintal da casa de Bolama, aos três anos de idade. Que foram buscar um anjinho e viram assomar pelas mãos do Arsénio um menino feliz de sorriso aberto que dizia ter estado sentado no colo de uma senhora... Bendita Senhora! Devias ter morrido bem velhinho tio Tuca… ou será que viveste em dobro?